Do Pelourinho a Harvard: conheça o baiano que luta para o Brasil investir no ‘black money’

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RIO — Foi ouvindo Racionais MC’s numa fita cassete, em fins da década de 1990, que Paulo Rogério Nunes teve um estalo. Aquela era a primeira vez que ele ouvia falar de Nelson Mandela, Zumbi e Spike Lee, pela voz de Mano Brown. Morador de um bairro predominantemente preto e pardo da periferia de Salvador, na Bahia, Paulo encontrou nas frases musicadas pelos MC’s uma causa: lutar pelo desenvolvimento da comunidade negra.

Hoje, aos 37 anos, não é exagero dizer que o baiano tem sido bem-sucedido nessa meta.

Ele foi o primeiro da família a concluir o ensino superior, criou a aceleradora de startups Vale do Dendê — espécie de Vale do Silício baiano —, foi eleito em 2018 pela Organização das Nações Unidas (ONU) um dos cem negros mais influentes do mundo com menos de 40 anos, já participou de encontros com Barack Obama — quando o ex-presidente americano se reuniu com jovens líderes na América Latina em 2017 — e roda o mundo dando palestras sobre afroempreendedorismo. Já foram 23 países. De Gana à Sérvia, passando por Etiópia, Turquia e Colômbia.

Ha alguns dias, ele falou à plateia do festival South by Southwest (SXSW), em Austin, nos Estados Unidos, sobre o avanço do que, em inglês, é conhecido como “black money”. Ele explica que não se trata de negócios necessariamente voltados para o público negro, mas desenvolvido por negros.

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— O pessoal das comunidades periféricas é muito empreendedor, mas por necessidade, por sobrevivência. A população negra nunca teve a oportunidade real de se desenvolver economicamente, como outros grupos tiveram. Muitos dos imigrantes que chegaram ao Brasil eram pobres, mas pelo menos livres. E, ainda hoje, pesquisas mostram que uma pessoa negra tem três vezes mais risco de ter um crédito negado no banco do que uma pessoa branca. Esses aspectos são essenciais para entendermos a ainda pequena participação de negros na economia — destaca Paulo.

Criativo desde cedo

Nascido no Alto da Terezinha, bairro pobre do subúrbio de Salvador, ele aprendeu inglês como “guia informal” nas ladeiras do Pelourinho. Era lá que, apesar da timidez que carrega até hoje — e que fica visível nos primeiros dois minutos de conversa —, ele se oferecia para ajudar os turistas estrangeiros, dava dicas de passeios ou simplesmente “papeava”. No início, mais em gestos do que com palavras.

— O Pelourinho é a melhor escola de inglês que há, e a melhor escola de vida — ele recorda.

Filho de uma dona de casa e de um funcionário público, Paulo teve desde cedo verve empreendedora. Com 12 anos, começou um jornalzinho de bairro. Aos 14, montou um fliperama. Com 17 anos, criou uma gráfica para a comunidade onde morava; e aos 20, depois de estudar informática, tornou-se instalador de internet num provedor local — era, então, o início da internet comercial no Brasil.

Interessado em cibercultura, entrou para uma faculdade particular de Publicidade. Trabalhava em três empregos para pagar as mensalidades do curso, que frequentava à noite. Mas que ninguém use isso como exemplo para atacar a Lei de Cotas — ainda nem existente na época, início dos anos 2000. Paulo é defensor ferrenho da ação afirmativa.

— Muitas pessoas têm visão limitada sobre esse assunto. Não percebem o impacto da desigualdade de raça — destaca.

Foi nas aulas da graduação que Paulo, então com 22 anos, conheceu o professor Helio Santos, que viraria seu mentor e, mais tarde, um de seus três sócios na Vale do Dendê. Hoje com 73 anos, Helio não poupa elogios ao ex-pupilo.

— O Paulo é um fenômeno — resume. — Eu o conheci como calouro, e ele já era extremamente curioso. A paixão dele é potencializar os talentos malnascidos. A maioria das startups trabalha com pessoas bem-nascidas. O Brasil se especializou em converter os já convertidos. Ninguém pode impunemente desperdiçar talentos. Ele entendeu isso cedo.

A Vale do Dendê começou a funcionar em 2016, e a primeira seleção de startups para serem aceleradas — uma espécie de curadoria — ocorreu ano passado. Vinte pequenas empresas da área criativa e digital passaram pela peneira.

Uma delas foi a de Vitor Reis, de 26 anos. Ele é um dos criadores da Interackt, que pretende desenvolver o primeiro programa de compartilhamento de carros da cidade de Salvador. Victor vê Paulo como exemplo:

— É um cara que tem origens com as quais me identifico e que sempre busca colocar outros em lugar de destaque. Não é egoísta. Não quer chegar sozinho, mas levar outros com ele.

O desafio de ‘furar a bolha da pobreza’

Victor é engenheiro de controle e automação e foi na semana passada aos EUA com Paulo, participar do festival SXSW e aumentar sua rede de contatos:

— Tem pouca gente olhando para Salvador nesse momento. Negócios periféricos, e que ainda por cima são puxados por pessoas negras, enfrentam dificuldades. Por isso, o Paulo e a Vale do Dendê são tão importantes.

Em 2011, Paulo ganhou uma bolsa Fullbright de aperfeiçoamento profissional para estudar um ano nos EUA. Ele se especializou em Jornalismo e Novas Mídias na Universidade de Maryland. Pouco tempo depois, foi convidado pela Universidade de Harvard para integrar um grupo do Berkman Klein Center que discute o tema do discurso de ódio na internet e o poder da contra-narrativa — produção feita por grupos que sofrem algum tipo de discriminação.

— Quando estava em Harvard, lembrei da minha avó, hoje com 103, que ganhou a vida lavando roupa. — conta. — A gente se separa da escravidão por apenas quatro gerações… é muito pouco tempo, historicamente.

Ele destaca a dificuldade de “furar a bolha” da pobreza:

— O maior problema (de quem é pobre) é não ter rede de contatos. O que dificulta mais para os estudantes de escola pública periférica é isso. Em escolas de elite, as pessoas têm redes de contato que, lá na frente, são importantes para se conseguir um emprego ou indicado para uma bolsa. Isso, muitas vezes, é de fato definitivo para a vida profissional.



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