Desejar (ou comemorar) a morte de presidentes, um esporte nacional

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Um texto publicado na terça-feira ganhou certa sobrevida no dia de ontem e merece uma reflexão mais profunda – estamos falando daquele artigo no qual o articulista dizia torcer pela morte do presidente Jair Bolsonaro, contaminado pelo coronavírus. À parte a polêmica gerada pelo colunista (há um limite ético para torcer pela morte de um ser humano?), não existe nada de novo nesta iniciativa. Na verdade, torcer pela morte de um presidente, ou mesmo comemorá-la, pode ser considerado um esporte nacional.

Em 1954, por exemplo, a redação do ‘‘Diário Carioca’’ abriu várias garrafas de champanhe para comemorar o suicídio de Getúlio Vargas (embora um dos diretores, o jornalista Prudente de Morais Neto, gritasse: “Vocês não entenderam nada! Nada! Ele ganhou de novo!”. Morais era antigetulista e achava que o presidente suicida, com seu ato, entraria para a história, como vaticinava sua carta de despedida).

O autoextermínio de Vargas foi motivado principalmente por um editorial escrito por Carlos Lacerda, sugerindo que os militares exigissem a renúncia do presidente, na Tribuna da Imprensa. E foi nessa mesma redação que, em 1967, Hélio Fernandes, após o acidente aéreo que vitimou o ex-presidente Humberto Castelo Branco, escreveu o seguinte: “Com a morte de Castelo Branco, a humanidade perdeu pouca coisa, ou melhor, não perdeu coisa alguma. Com o ex-presidente, desapareceu um homem frio, impiedoso, vingativo, implacável, desumano, calculista, ressentido, cruel, frustrado, sem grandeza, sem nobreza, seco por dentro e por fora, com um coração que era um verdadeiro deserto do Saara”.

No capítulo em que há torcida mais que ativa para a morte de um presidente, um dos mais notáveis casos é o do cantor Gabriel, O Pensador. Logo no início do governo Fernando Collor, ele lançou a música “Matei o Presidente”. Não satisfeito, criou uma nova versão na época em que Michel Temer comandava o país.

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Um pouco antes da época em que o rapper Gabriel torcia para que Temer passasse dessa para melhor, o então deputado Jair Bolsonaro era bastante explicito em seus desejos sobre a saúde da então presidente Dilma Rousseff: “Eu espero que acabe hoje, infartada ou com câncer, de qualquer maneira. O Brasil não pode continuar sofrendo com uma incompetente, ou ‘incompetenta’ à frente de um país tão grande e maravilhoso”.

A ascensão de Bolsonaro o transformou de estilingue em vidraça. Ainda na campanha, foi alvo de uma insinuação do jornalista Paulo Henrique Amorim, que gravou um vídeo perguntando se o então candidato era torcedor do Flamengo. E seguida, cantarolou um trecho do hino do time e, após a frase “Flamengo até morrer”, fez uma pausa marota e disse: “Ainda”. O escritor Sérgio Sant’Anna, em abril deste ano, foi na mesma linha e postou um tuíte no qual afirmava: “Morra Bolsonaro para nos salvar”. Curiosamente, ambos – Amorim e Sant’Anna – faleceram pouco depois de torcer pelo decesso de Bolsonaro.

Essas são apenas algumas manifestações públicas de desejo ou regozijo em relação ao óbito de alguém com mandato presidencial. Mas há inúmeros outros por aí, suficientes para preencher o equivalente a um pequeno livro.

Almejar a morte de um ser humano, mesmo que seja para um mero exercício intelectual, é algo questionável e nos coloca em dilema moral periclitante: existe limite para torcer pelo desaparecimento de alguém? Não, muitos irão responder. Mas e se estivermos falando de assassinos e genocidas? Adolf Hitler, Josef Stálin, Osama Bin Laden e congêneres? Neste caso, abriríamos uma exceção?

Neste momento, o cérebro de vários leitores está trabalhando. Boa parte deve ter aceitado criar uma regra exclusiva para acabar com a raça de maníacos homicidas. Mas Bolsonaro e muitos de seus antecessores pertencem à mesma categoria de Hitler, Stálin e Bin Laden? Merecem a torcida por suas mortes?

Quando desejamos a morte de alguém, cruzamos a mesma fronteira que existe nas regras do Estado de Direito. E, para que o mundo seja um lugar melhor, não devemos ultrapassar certas barreiras, especialmente se elas forem contaminadas pelas emoções.

Emoção – está aí algo traiçoeiro. Ela pode ser disfarçar em manifestações aparentemente racionais, criadas com o propósito de oferecer conforto ao que sentimos quando despontamos nossos instintos mais primitivos, como o de ansiar pelo fim de uma vida.

Vamos, para tirar qualquer emoção da frente, usar um nome neutro para servir de sujeito para a próxima frase: “José da Silva está com covid-19. Torço para que seu quadro se agrave e ele morra”.

Essa frase parece ser chocante?

Para muitos, ela será. Vamos trocar agora “José da Silva” por “Bolsonaro”. Teremos exatamente a mesma frase que causou as discussões dos últimos dias.

Nós, brasileiros, temos espírito crítico. Mas precisamos dirigir a energia que envolve nossos julgamentos para o lado positivo e construtivo. Assim como o governo não pode resolver todos os nossos problemas, o presidente não é o único culpado de tudo o que é ruim em nossas vidas (por mais defeitos que ele tenha). Desejar a sua morte (como ele mesmo fez com Dilma, lembremos) é incorrer num exagero que não nos levará a nada. E esse caminho que leva a discussões inúteis nós já conhecemos. Vamos tomar uma nova estrada, sem ódios ou ressentimentos. De todos os lados. A reconstrução deste país não será fácil. Com esses rancores nos rondando, será ainda mais difícil.

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