O filme Contágio, de Steven Soderbergh, apresenta um mundo tomado por um vírus desconhecido, altamente mutável e letal. Oriundo de morcegos e porcos residentes no sudeste asiático, o patógeno começa a ser transmitido entre seres humanos de diversas partes do planeta. Depois de enfrentar uma pandemia que deixa milhões de mortos e aflora a desinformação e a desigualdade social no mundo, cientistas encontram a fórmula de uma vacina para a enfermidade e o cenário pós-apocalíptico dá lugar à esperança. O longa-metragem ficcional de 2011 traz um bom presságio do que vivenciaríamos em 2020 devido ao novo coronavírus, tendo a imunização como grande esperança.
Com algumas das vacinas já em fases finais de testes, os Estados Unidos, nação mais afetada pela Covid-19, já se organizam para garantir que sejam o primeiro a contar com a imunização, e utilizam a prerrogativa de maior economia do mundo para investir pesado. Tanto que o país anunciou, na manhã desta quarta-feira 22, um acordo avaliado em 1,95 bilhões de dólares com a farmacêutica Pfizer. O valor seria para a compra de 100 milhões de doses da vacina, que é desenvolvida em parceria com o laboratório alemão BioNTech. O volume comprado pelos EUA é toda a capacidade de produção inicial anunciada pela farmacêutica, caso os dois imunizadores que estão em estágio avançado sejam liberados pelas autoridades. Ou seja, a vacina chegará primeiro aos americanos.
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Tão logo o coronavírus foi diagnosticado e seu conhecimento se tornou público pelo governo chinês, diversos órgãos governamentais e laboratórios farmacêuticos mundo afora se empenharam numa corrida para o desenvolvimento de uma vacina para o patógeno. Donald Trump, presidente dos EUA, não poupou esforços e reservas para que as companhias apoiadas pelo país largassem na frente. O acordo com a Pfizer não é o primeiro, mas mostra o empenho dos Estados Unidos em ter a vacina antes de todos. Em maio, o governo americano anunciou que iria investir até 1,2 bilhão de dólares na AstraZeneca para que fosse descoberta uma solução para o vírus. Hoje, o laboratório britânico é um dos que estão mais avançados na busca pelo imunizador, que está sendo desenvolvido em parceria com a Universidade de Oxford. O volume de recursos também passa por aportes nas companhias americanas Moderna (483 milhões de dólares) e Johnson&Johnson (500 milhões de dólares). Mais recentemente, Trump anunciou um investimento avaliado em 1,6 bilhão de dólares no projeto do laboratório de biotecnologia Novavax. Todos os acordos envolvem a predileção da nação americana no recebimento da vacina.
No caso da nova empreitada, o acordo assinado com a Pfizer prevê a ampliação para até 600 milhões de doses da vacina. Dois imunizadores produzidos pela farmacêutica americana e pelo laboratório alemão encontram-se na fase de testagem em massa, a última antes da distribuição para o público geral. Com esses aportes, Trump garante que o país, onde quase 4 milhões de pessoas foram infectadas e mais de 100 mil morreram, seja priorizado na corrida da imunização. Acontece que a pandemia, como o nome próprio indica, é um problema global. A monopolização dos Estados Unidos nesse processo pode fazer com que outras nações prejudicadas, como o próprio Brasil, demorem mais a imunizar seus povos, o que levaria inevitavelmente a um sem-número de novas mortes em todo o planeta.
Impasse
Em maio, uma reunião de 45 minutos a portas fechadas entre representantes do governo francês e integrantes da Sanofi, principal laboratório farmacêutico do país europeu, não terminou nada bem. A Sanofi foi uma das empresas que receberam uma quantia, ainda que considerada pequena, de cerca de 30 milhões de dólares por parte do governo americano para acelerar a busca por um imunizador para o novo coronavírus. Em troca, os EUA teriam prioridade no produto.
O presidente da França, Emmanuel Macron, rechaçou imediatamente essa possibilidade. Disse, na ocasião, que uma vacina seria um bem público e “não pode ser sujeita a forças de mercado”. A Sanofi se viu obrigada então a se afastar do governo americano. Para as companhias, quem ganhar a ‘corrida pela vacina’ deve não apenas receber o ônus de ter encontrado a cura para a maior epidemia que o mundo enfrenta desde a gripe espanhola, mas lucrar muito. Analistas americanos estimam que, caso a vacina da Pfizer se mostre proficiente, o laboratório deve faturar mais de 15 bilhões de dólares no acordo com o governo dos EUA. Ao que tudo indica, a ciência está muito próxima do “final feliz”, mas alguns terão de esperar um tanto mais para poder comemorar.
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