Como é possível reverter o esvaziamento da Faria Lima?

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Imagine se os térreos das torres corporativas da Faria Lima tivessem cafés, restaurantes, sorveterias e mesmo botecos com vista para a calçada. Algumas vitrines de lojas no lugar dos vastos “entrada e saída de veículos” que parecem ter sido desenhados para um campus no meio do Texas, daqueles no meio do nada, onde ninguém chega a pé ou de bicicleta.

Que tal dar uso àqueles saguões de mármore sem um único assento, onde centenas de metros quadrados são ocupados apenas por um balcão com recepcionistas entediadas? Um wi-fi poderoso, pufes ou bancos poderiam atrair jovens para bater ponto ali. Se rejuvenescem a frequência e atraíssem empreendedores que ainda não podem pagar o aluguel dos andares acima, poderiam atrair também carrinhos de bebida e de lanches naturebas antes de qualquer catraca. O melhor remédio contra paisagens desoladas é gente, movimento.

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Um simples banco na calçada e a vitrine da lanchonete permitem o contato visual entre o interior e o exterior na academia First, nos Jardins; o gramado farialimer (à direita) funciona mais como barreira, sem gente ou movimentoRaul Juste Lores/Veja SP
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Até prédios com muitas décadas de vida estão aprendendo a colocar olhos na rua: o hotel Maksoud, na Bela Vista, abriu floricultura, café e loja no térreo, em área do estacionamento; os lugares de maior movimento devem estar à vista, gentileza para a cidade, e não isoladosRaul Juste Lores/Veja SP
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Entrada e saída de veículos na Faria Lima (quando áreas sem convívio ocupam uma esquina inteira, a calçada fica cega); a iluminação, os bancos e as mesas do café do Santos Augusta dão segurança ao lugarRaul Juste Lores/Veja SP

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Intervenções rápidas e baratas são urgentes. Para isso, a prefeitura também precisa ser veloz — algo incomum, sabemos — em permitir esses ajustes de uso e pequenas reformas. Antes que o mais rico distrito corporativo da cidade definhe. A reinvenção é obrigatória. Assim como pufes coloridos no gramado deram vida ao mais que careta prédio do Google, no mundo pré-pandemia, parklets e food trucks permitiriam alguma permanência na esvaziada avenida.

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O home office da pandemia deixou explícitas as carências do urbanismo farialimer. Dezenas de edifícios corporativos sem um bar no térreo, uma vitrine que seja, afastados da calçada, deram a diversos quarteirões da Vila Olímpia e do Itaim um ar de abandono. Ao contrário da Paulista, onde muitos prédios residenciais dos dois lados, centros culturais, estações de metrô e lanchonetes mantêm a via vibrante, a Faria Lima ficou estéril. Não só os caixotões envidraçados parecem ter saído de um distrito corporativo do Arizona. A ideia de que nada possa ser feito a pé e de que a entrada e saída de veículos ocupe a entrada mais nobre dos complexos triple AAA combina mais com a região desértica americana.

Antes que o novíssimo distrito financeiro não consiga reverter seu esvaziamento, é hora de corrigir essa mentalidade suburbana — muito estimulada por leis inspiradas no urbanismo de Brasília (bairros divididos por usos, sem mistura; baixíssima densidade; prioridade absoluta ao automóvel). Mas também por construtores que parecem copiar Orlando ou Dubai, bastante diferentes do clima e das necessidades de compactação de uma metrópole de 12 milhões de habitantes.

Felizmente, autoridades municipais e mercado imobiliário poderiam se inspirar em um punhado de experiências paulistanas que tentam corrigir essas construções que já se tornaram ultrapassadas em poucos anos. Um espigão de consultórios médicos, atrás do Cemitério da Consolação, conseguiu instalar no jardim do térreo uma conhecida franquia de chocolates com um café — essa espécie de terraço vive cheia de gente.

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Pequenas intervenções deixam as calçadas mais amigáveis com o pedestre, como os bancos da sorveteria Bacio di Latte; em Nova York ou Buenos Aires, são raros edifícios corporativos com térreo tão vedado à calçada, como o da direita, na Faria LimaRaul Juste Lores/Veja SP

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No veterano hotel Maksoud Plaza, espaços do ocioso estacionamento são hoje ocupados por uma floricultura, um café e uma loja de chocolates (o cacau está em alta em tempos de deprê pandêmica). Alguns bares e cafés do Itaim adotaram janelões que deixam o interior mais próximo do exterior, permitindo a troca de olhares que alimenta os humanos.

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Não é um segredo apenas de Madri, Buenos Aires ou Manhattan: quanto mais movimentados e transparentes os térreos, mais as pessoas tendem a bater perna e a deixar o carro na garagem. O nova-iorquino pode andar por vinte quarteirões seguidos sem se cansar, com entretenimento visual durante todo o percurso, de vitrines a gente interessante na rua; o paulistano que se desanima a caminhar por seis quadras no Jardim Europa ou no Morumbi conhece bem a sensação de tédio ou insegurança se os únicos companheiros de caminhada forem muros altos e arame farpado.

A próxima transformação do eixo Faria Lima-Berrini, a médio prazo, mas que precisaria ser planejada agora, é justamente deixar de ser um “setor corporativo” brasiliense e virar uma região mista. Nova York, para variar, saiu bem na frente: nos últimos vinte anos, 25 000 apartamentos foram criados em Downtown Manhattan em antigas torres corporativas de classes B e C (ultrapassadas, no jargão imobiliário), que ficaram vagas especialmente após o 11 de Setembro e a recessão de 2008. Um programa de deduções fiscais e aceleração das permissões chamado 421g ajudou na mudança. Em vez da região inóspita aos fins de semana e à noite, a vizinhança de Wall Street renasceu. Hora de fazer algo parecido aqui, com uma porcentagem de habitação popular e locação social.

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Puxadinho bem-vindo em torre na Rua Mato Grosso: vida na calçadaRaul Juste Lores/Veja SP
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Faria Lima: fachada cegaRaul Juste Lores/Veja SP

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Publicado em VEJA São Paulo de 02 de dezembro de 2020, edição nº 2715

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