São Paulo — Um trecho da proposta de reforma da Previdência do governo Bolsonaro está chamando a atenção do meio jurídico e da oposição.
O alerta é que o texto criaria uma brecha para facilitar a interferência no Judiciário, mais especificamente na composição do Supremo Tribunal Federal (STF).
O líder da oposição, Alessandro Molon (PSB-RJ) destacou no último dia 21 que se a reforma for aprovada no modelo atual, a idade da aposentadoria compulsória dos servidores, como dos ministros da corte, sairia da Constituição.
Isso significa que essa idade, hoje definida em 75 anos, poderia ser modificada por lei complementar e não por emenda à Constituição.
O que a oposição alega é que essa é uma manobra estratégica, já que para aprovar uma PEC são necessários 308 votos e para uma lei complementar sbastam 257 votos.
“O governo está tentando, às escondidas, usar a reforma da Previdência para tirar a idade de aposentadoria dos ministros do Supremo da Constituição Federal, podendo alterá-lá com número de votos menor e portanto podendo escolher quais ministros mandar para a aposentadoria de acordo com seu bel prazer”, afirmou Molon. O trecho se refere a uma possível reforma no artigo 40 da Constituição:
Pedro Aikel, especialista em Direito Público do WFaria Advogados, confirma que, caso esse trecho fique na PEC e ela seja aprovada, o governo Bolsonaro estaria deixando em aberto a possibilidade de criar uma lei que mude a aposentadoria compulsória dos servidores.
“Tendo em vista que os ministros são servidores da União, eles podem, sim, ser atingidos pela proposta. Consequentemente, o presidente poderá trocar os ministros do STF”, explica.
Atualmente, vigora a PEC da Bengala, que aumentou de 70 para 75 anos a idade para aposentadoria compulsória em tribunais superiores.
Aprovada em 2015 durante o governo de Dilma Rousseff, ela foi uma manobra na direção contrária: para evitar que Dilma nomeasse mais cinco ministros em seu mandato (que acabaria interrompido precocemente pelo impeachment).
Contradições
Este não é o único ponto da reforma da Previdência que tira regras da Constituição e as traz para regulação de lei complementar.
O princípio de “desconstitucionalizar” parâmetros, tais como a regra de cálculo do benefício, é elogiado por alguns economistas especialistas em Previdência como uma tendência mundial que facilita ajustes futuros em meio às mudanças demográficas.
Por outro lado, toda a lógica da reforma é aumentar o tempo de contribuição e adiar o momento da aposentadoria dos brasileiros para diminuir o ritmo de crescimento do gasto previdenciário e da dívida pública.
Ou seja: uma eventual redução da idade de aposentadoria compulsória dos servidores poderia ser vista como inconstitucional por estar contradizendo a própria essência da PEC.
“Eu teria uma certa tranquilidade para dizer que esse dispositivo pode gerar inconstitucionalidade”, explica Oscar Vilhena, diretor da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas.
Ele também destaca que permitir ao legislador restringir o tempo de mandato de um ministro do STF poderia colocar em risco a separação de poderes.
Na proposta, no entanto, não fica claro se o dispositivo seria implementado para futuros ministros e não aos que já estão no cargo. “Nessas condições, não teríamos um problema, apenas uma contradição”, completa Vilhena.
Na composição do STF de hoje, o ministro Celso de Mello (74 anos) é o que está mais próximo de se aposentar. Por ser seu último ano na função, ele é chamado de decano. Já Alexandre de Moraes (51 anos) é o mais jovem.
“É uma bobagem tentar implementar uma medida dessas, quando se tem no Brasil o STF que tem condições efetivas de declarar uma interpretação constitucional que tornaria essa emenda sem efeito imediato”, afirma Paulo Blair, advocado constitucionalista e professor da Universidade de Brasília.