Prestes a iniciar a reta final da atual gestão, a Prefeitura de São Paulo direciona para a região central da capital as obras de revitalização urbana, buscando modernizá-la, e deixa para os bairros periféricos ações mais básicas, como reformas de ruas, calçadas e ações de drenagem urbana. Urbanistas ouvidos pela reportagem destacam a importância de investimentos no centro, mas questionam a prioridade por obras nessa região.
Além disso, as ações voltadas para a região central enfrentam resistência e questionamentos judiciais. Na sexta-feira, a Justiça determinou a paralisação das obras de reforma do Vale do Anhangabaú atendendo a um pedido da Associação Preserva São Paulo, que questiona a falta de audiências públicas sobre as mudanças no local. A obra, que já começou, foi paralisada. No caso do Anhangabaú, ainda cabe recurso e a Prefeitura alega que a obra é regular.
Obras no largo do Arouche também foram alvo de ação judicial no final de julho e o plano para o parque do Minhocão foi questionado pelo Tribunal de Contas do Município. Além desses projetos, Covas toca reformas no calçadão do Triângulo Histórico e acerta os detalhes do Parque Augusta.
São obras com cuidado arquitetônico: no Anhangabaú, o projeto é do escritório dinamarquês Gehl, um dos mais conhecidos do mundo. No Minhocão, a experiência tem por base exemplos de sucesso como o High Line nova-iorquino. As ações têm recursos municipais e federais e devem chegar a gastos de cerca de R$ 150 milhões, além de parcerias com empresas privadas.
As reformas ocorrem em um momento em que a vida noturna na área central refloresce, com a chegada de novos restaurantes, mas sem que instrumentos como o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) Progressivo, que prevê cobranças extras para imóveis vazios, combatendo a especulação imobiliária, seja ampliado, com o cadastro de novos imóveis ociosos.
Já nos bairros fora do centro expandido, os investimentos públicos são em ações de infraestrutura, como os programas de recapeamento de vias e de restauração de calçadas, além de obras de drenagem urbana. Dos cerca de R$ 400 milhões anunciados para revitalização de calçadas, 35% devem ser destinados às áreas periféricas de bairros como Sapopemba, São Miguel, Itaim e Guaianases, na zona leste.
Os destaques são os equipamentos de atendimento social: a retomada de obras de 12 Centros de Educação Unificados (CEUs) e 12 Centros de Educação Infantil (CEIs), obras com previsão de gasto de R$ 180 milhões. Porém, percorrendo a cidade, uma série de obras já anunciadas, algumas até já licitadas, ainda aguardam início. Uma das mais famosas é a canalização do Córrego Antonico um curso d’água de 1,5 quilômetro que cruza a favela de Paraisópolis, no Morumbi, zona sul.
“Ainda é aquela coisa: todo o verão o córrego alaga, as pessoas perdem o pouco que têm, o esgoto volta para a casas”, diz a líder comunitária Maria Betânia Freire Mendonça, de 61 anos. Ela conta que, desde 2014, quando o processo de urbanização da favela começou, essa obra vem sendo prometida.
Outro destaque é o término da duplicação da Estrada do M’Boi, também na zona sul, única ligação de bairros como o Jardim Ângela e a cidade. “São 600 mil pessoas que esperam a obra. Só têm essa rua para chegar no centro. Do bairro só até a ponte (do Socorro), a pessoa gasta no mínimo uma hora e meia por dia”, diz outro líder comunitário, o motorista José Geraldo de Araújo, de 50 anos.
Essas ações ocorrem em meio à formação de um caixa na Prefeitura que já se aproxima de R$ 1 bilhão ainda sem definição de gastos. O Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano (Fundurb), que recebe recursos das outorgas pagas pelas construtoras durante o licenciamento de novos prédios, saltou de um saldo de pouco menos de R$ 400 milhões, no fim de 2016 (último ano da gestão anterior, de Fernando Haddad, do PT), para um saldo de R$ 900 milhões.
O fundo “engordou” graças ao Plano Diretor da cidade, aprovado em 2014, que previu o direcionamento de verbas para ele, e pela retomada de lançamentos imobiliários, que já se faz notar mesmo em meio à persistência da crise econômica.
Para a bancada do prefeito da Câmara Municipal, a diferença entre as ações do centro dos bairros não significa que a gestão Covas esteja esquecendo a periferia. “Tem coisas muito importantes acontecendo na periferia”, diz o líder do governo, Fabio Riva (PSDB). “A Ponte de Pirituba vai beneficiar os bairros da zona norte”, exemplifica. Essa obra é uma ponte que passará sobre a Marginal do Tietê, ligando a Lapa (zona oeste) a Pirituba, facilitando o acesso viário ao centro para regiões como Jardim Peri e Brasilândia. Para a oposição, entretanto, Covas “repete o DNA do PSDB de investir naqueles que menos precisam”, afirma o vereador Antonio Donato (PT).
Já os estudiosos do planejamento de cidades afirmam que há, sim, necessidade de ações nas áreas centrais. “O centro tem características de periferia, mas uma periferia mais estruturada”, diz o presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), Fernando Túlio Salva Rocha Franco, citando a população carente que mora no centro. “Nas periferias, os investimentos têm de vir associados à infraestrutura dos serviços sociais”, argumenta.
Já o professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP) Fernando Nobre afirma que o centro não precisava dessas obras. “Você acha que o Anhangabaú precisava de reforma? O Plano Diretor tem esse defeito: jogou muita (responsabilidade) para os planos setoriais (de habitação e mobilidade), que estão parados na Câmara.”
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