O cartunista e chargista paulistano Benedito Carneiro Bastos Barreto, o Belmonte (1896-1947), ficou conhecido como criador do personagem Juca Pato. Símbolo do homem comum, trabalhador e bom pagador de impostos, o tipo, popularizado pela Folha da Noite nas décadas de 30 e 40, denunciava as mazelas da classe média e foi alvo da censura do estado Novo de Getúlio Vargas.
O talento e o senso crítico de Belmonte, no entanto, já ilustravam as páginas de revistas e jornais havia pelo menos dez anos. A sua produção anterior, mais precisamente aquela propagada pelas revistas Careta e Frou-Frou entre 1923 e 1927, estimulou a historiadora e pesquisadora carioca Marissa Gorberg Stambowsky a lançar o livro Belmonte: Caricaturas dos Anos 1920 (editora Fundação Getulio Vargas, 216 páginas, 80 reais).
A publicação, que chega às livrarias na quinta-feira (28), analisa a trajetória do artista e comprova a atualidade de sua visão debochada. Também surpreende o leitor ao reunir desenhos sobre temas e situações polêmicas para a época que ainda ecoam fortemente na sociedade atual.
Feminismo e machismo, preconceitos de gênero e raça, obsessão por aparências, desigualdades sociais e conflitos entre patrões e empregados inspiraram os desenhos de Belmonte. “Muita coisa mudou, mas é impressionante verificar que, à beira de 2020, entre avanços e retrocessos, os preconceitos continuam os mesmos”, afirma Marissa. “Essa produção gráfica talvez não desejasse mais que divertir os leitores, mas Belmonte sobressai por ser o mais profícuo de uma geração em que ainda se destacaram J. Carlos e Raul Pederneiras.”
Belmonte nasceu e cresceu no bairro do Brás, filho de uma brasileira e de um português, que morreu quando o garoto mal completara 2 anos. Pensou em seguir a carreira do pai, que era médico, mas abandonou a faculdade no fim do primeiro ano, entusiasmado com o dom artístico. Ele publicou os primeiros desenhos em 1912 na revista Rio Branco e, em 1921, foi contratado pela recém-inaugurada Folha da Noite, assumindo o pseudônimo que o popularizou. Se Paris vivia a sua belle époque, São Paulo e Rio de Janeiro experimentavam transformações, na tentativa de renegar o passado colonial e adquirir ares cosmopolitas.
Ao transitar pelo circuito boêmio, Belmonte se tornou um observador dos costumes de uma classe alta deslumbrada. Era o cenário ideal para aguçar sua visão irônica e também para travar rivalidade com os escritores da Semana de arte moderna de 1922, que consideravam as charges e caricaturas manifestações de segunda linha. Uma curiosidade é que Belmonte nunca arredou pé de São Paulo, para captar e entender os modismos. “Ele formou repertório graças ao acesso que tinha à mídia impressa e se recusava a viajar até a trabalho para o rio de Janeiro por razões que nunca ficaram claras, talvez fosse por medo mesmo”, conta Marissa.
Publicado em VEJA SÃO PAULO de 27 de novembro de 2019, edição nº 2662.
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