O presidente Jair Bolsonaro e o núcleo duro do Palácio do Planalto veem comunistas até debaixo da cama. Fundado em 1888 sob os mais liberais dos preceitos, defendendo a livre iniciativa e a economia de mercado, a única coisa que o respaldado jornal britânico Financial Times não pode ser acusado é de flertar com linhas canhestras. Pois bem: para uma das bíblias do mercado financeiro mundial, Bolsonaro tem uma nova alcunha: Capitão Corona. Em um artigo publicado nesta sexta-feira, 10, o jornal destrincha a postura errática do presidente a respeito da pandemia e do pouco caso, inclusive, com sua própria infecção pelo coronavírus, virando uma espécie de garoto-propaganda de um medicamento sem qualquer eficiência comprovada contra a doença. “Pode-se argumentar que nenhum outro presidente da história democrática recente do Brasil foi tão imprudente consigo mesmo ou com o país”, argumenta o periódico.
Sob o título Jair Bolsonaro, o Capitão Corona do Brasil, aposta na negação do vírus, o texto apresenta a jornada do presidente desde as eleições de 2018 até ganhar as láureas de uma gestão temerária, copiando seu alter-ego americano, Donald Trump. O texto afirma que o presidente, ao negar a gravidade da doença, deve usar a própria infecção para provar que as medidas de isolamento social adotadas por governadores e prefeitos foram exageradas, e colocar a draga econômica colhida pela pandemia de Covid-19 na conta dos mandatários regionais. “A aposta de alto risco de Bolsonaro pode valer a pena. Se o Trump Tropical, como também é conhecido, sofre apenas sintomas leves, ele se tornaria um exemplo vivo de que o Covid-19 é apenas uma gripezinha”, disserta o FT. “A culpa pelas dificuldades econômicas do país poderia ser transferida para inimigos políticos, que pressionaram por medidas de distanciamento social”, diz o jornal.
E o preço, segundo o jornal, da irresponsabilidade de Bolsonaro pode ter um alto preço. O periódico aponta que a postura errática do presidente em relação à pandemia pode colocar à prova a agenda de reformas defendida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. “Sua abordagem abrasiva provoca o risco de minar as reformas econômicas”, afirma o periódico britânico. “Embora o ministro da Economia, Paulo Guedes, tenha adotado algumas medidas, a agenda foi em grande parte interrompida, em parte devido à capacidade infalível do presidente de brigar com os legisladores”, mostra que está inserido na realidade político-econômica brasileira.
O jornal ainda argumenta sobre a participação de Bolsonaro em atos que pediam pelo fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal e relembra aos investidores estrangeiros que o presidente está sob investigação, graças às declarações do ex-ministro Sergio Moro, da Justiça, de que o presidente mobilizou-se para interferir na Polícia Federal. O jornal argumenta que, com uma base de apoio sólida entre cerca de 30% da população, um processo de impeachment é um cenário distante.
“Mesmo assim, seus índices de aprovação permanecem em cerca de 30%. Nesse nível, a história sugere que ele seria capaz de afastar o risco de ser expulso do cargo. Os processos de impeachment contra [Fernando] Collor de Mello e [Dilma] Rousseff só avançaram quando suas taxas de aprovação caíram para cerca de 10%. A infecção por Covid-19 também pode dar imunidade a Bolsonaro”, afirma o jornal, reiterando que a infecção pela doença pode dar fôlego para que o presidente mantenha seu discurso minimizador da pandemia perante o eleitorado cativo. Para eles, a discurseira pode até funcionar. Resta ver se os investidores comprarão a ideia de que a Covid-19 é apenas uma gripezinha.
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