Parecendo ignorar o caos que a epidemia de coronavírus e a crise institucional que ele mesmo criou podem causar à economia brasileira, o presidente Jair Bolsonaro recorreu ao Twitter para comentar os resultados divulgados pelo Tesouro Nacional, na quinta-feira 27, de superávit primário em janeiro, de 44,1 bilhões de reais. Este é o maior valor já registrado na série histórica, desde 1997. De acordo com o governo, os bons resultados foram impulsionados pela maior arrecadação — alta de 6,4% em relação ao mesmo período do ano passado. O recorde pode até ser ilusório, mas mostra que o caminho que está sendo trilhado pela equipe econômica está correto. Com essa economia, pode se transformar num passeio no parque o longo percurso até que o governo feche 2020 com um déficit de 124 bilhões de reais. O futuro, incerto pelos dois fatores já mencionados, está mais desanuviado.
Está claro que alguns fatores favoreceram o resultado. A redução ostensiva da taxa básica de juros, a Selic, por parte do Banco Central, o BC, permitiu a redução do montante que o governo tem para pagar em dívidas. O secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, também reconheceu em entrevista ao jornal Valor Econômico que o resultado foi impulsionado por receitas extraordinárias. Além disso, o governo deixou de executar o orçamento de instituições públicas, como alguns ministérios. Bolsonaro não deu bola para isso e celebrou a conquista de sua equipe econômica. “Estamos fazendo o dever de casa e continuaremos”, comemorou o presidente nas redes.
O resultado foi positivo, sim. Mas agora é hora de trabalhar. Como VEJA explicou em artigo publicado nesta quinta-feira, o governo põe em risco a agenda econômica com a belicosidade crescente de Bolsonaro, enquanto a inércia na apresentação das mudanças das regras para o funcionalismo e de simplificar o sistema tributário põe a tendência positiva em xeque. Os resultados, vale dizer, seriam muito mais virtuosos se o governo tivesse em caixa os bilhões excessivos gastos com funcionários públicos, tanto ativos quanto inativos, e liberar cifras astronômicas para investimentos públicos. A simplificação tributária, por sua vez, tem a possibilidade de atrair capital estrangeiro para as contas do governo, dada a complexidade da atual sopa de letrinhas. O Brasil precisa das reformas para arrumar suas contas. Mas o presidente põe tudo a perder. “O risco de crise institucional faz com que as expectativas de avanço sejam mantidas, mas nos mesmos e tímidos patamares. É como se estivéssemos em um degrau e nos mantivéssemos nele, sem alcançar patamares mais altos”, explica Gilberto Braga, economista do Ibmec.
Um exemplo da lentidão do governo é o quanto está conseguindo com a venda de ativos da União, as chamadas privatizações. A equipe econômica não conseguiu encampar nenhuma grande privatização até o momento. Resultado: as receitas obtidas com concessões somaram 470 milhões de reais no período, piores do que no ano passado, quando se embolsou 497 milhões de reais em janeiro.
Por essas e outras que a própria Secretaria do Tesouro reconheceu que a dívida pública vai aumentar nos próximos anos, quando deve alcançar 79,4% do Produto Interno Bruto (PIB) até 2023, num aumento significativo do registrado no ano passado, de 75,8%. Em 2020, a dívida pública brasileira somará 77,9% do PIB, segundo projeções do Tesouro. Os resultados são, de fato, positivos, mas ainda não há nada a comemorar. É hora do presidente e sua equipe trabalharem e deixarem de lado as cabeçadas com o Congresso Nacional. E a própria apresentação do Tesouro crava: “O desafio do controle da despesa do governo central nos próximos anos dependerá da dinâmica de crescimento das despesas obrigatórias, em especial, gastos com previdência e despesas com pessoal”. Melhor, presidente, que seja rápido.
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