São Paulo — As imagens escuras de vielas e becos estreitos, cenário da ação policial que terminou com a morte de nove jovens no domingo passado em Paraisópolis, não condizem com a realidade da Rua Ernest Samper, onde o baile funk ocorre há quase dez anos. O “palco” da festa — área de um quilômetro quadrado no meio da favela — tem vida própria mesmo quando não há eventos.
A região tem ofertas de todo tipo de serviço, que acabam fomentando a economia local. De lojas de frango a serviços de autobronzeamento, a favela tem sua lógica econômica. Mas é no sábado que predomina uma das principais matérias-primas do faturamento da região: a música, especificamente, o funk.
Por lá, o vaivém começa de manhã. A rua abriga também uma feira. No meio da tarde, frutas, legumes e o pastel dão lugar ao churrasco, álcool e cigarros. Moradores, muitos desempregados, tiram a renda dali. O nome do baile — DZ7 —, vem de uma dessas barracas. Seu dono, o DZ7, hoje mora na Bahia. “Se tiver som, tem baile”, explica Willian Custodio, ou MC Bolhão.
Vans e ônibus chegam de outras cidades. Os “boys”, moradores do Morumbi, o bairro nobre ao lado de Paraisópolis, também fazem visitas. Muitos deles ficam no “camarote”, como são chamadas as lajes onde rola uísque e outras bebidas. O preço varia.
De acordo com comerciantes, o faturamento na noite do baile chega a R$ 2 mil, o dobro do que eles conseguem em toda semana. A divulgação da festa pela internet aumentou o público e a concorrência.
Instaladas as barraquinhas, chegam os carros de som, que se espalham por mais de 500 metros da rua e disputam qual é o mais barulhento. A maioria conecta o som ao canal Metralhas do Baile, no YouTube.
De propriedade de Bruno Alexandre Xavier, DJ de 22 anos do bairro, o canal reúne a maior parte das produções do próprio local e já tem mais de 1 milhão de inscritos. Os seus vídeos somam mais de 200 milhões de visualizações.
O DJ Bruninho Pzs cobra R$ 100 para aqueles que querem que sua música apareça no Metralhas do Baile e, consequentemente, no baile da DZ7. “Hoje eu vivo do funk e do canal”, diz o DJ, que está em turnê no Mato Grosso. “Na comunidade, a molecada não quer entrar no caminho errado e vê o funk como oportunidade”, explica.
A maior parte dos jovens funkeiros, como Bruninho, aprende as mixagens sozinha, em casa, usando um computador. Com programas de edição de áudio, juntam batidas e melodias para formar suas músicas, uma corrida pelo sucesso na favela. Os jovens começam cedo, às vezes até antes dos 10 anos de idade.
Aos 23 anos, o DJ Esculaxa, nome artístico de Alesson Sousa Santos, está há 11 anos no funk. Tudo que sabe, diz ele, aprendeu “na raça”. Uma de suas músicas no YouTube, “Senta e Kika”, alcançou mais de 3 milhões de visualizações. Hoje, entre turnês e shows em baile, também vive da música.
“Sozinho, fui pesquisando, fuçando em casa. Meu pai tinha acabado de comprar um computador, então comprei um microfone velho de karaokê. Tudo na raça”, diz Alesson, um dos que usam o estúdio da DZ7 Produções, principal incentivadora de funk na região.
Ao lado de outros dois DJs, Alesson pretende aproveitar o caldeirão cultural do funk na região para ajudar jovens que queiram seguir carreira na música, principalmente os que não têm condições de arcar com a gravação e divulgação de uma música.
No momento, estão em busca de professores de canto e de postura (que ensine como se portar no palco). Segundo Eduardo Michel, também DJ, o preconceito com a música não os incomoda:
“É por ser muito mais ouvido nas comunidades mais carentes, por pessoas mais humildes, que vem a discriminação ao funk. É uma discriminação com o pobre, não com o funk.”
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