Mais de 60 mil pessoas são assassinadas no Brasil ao ano. Essa realidade é bárbara e mostra a urgência de debatermos um plano nacional de segurança pública capaz de reduzir de fato a violência e a criminalidade. O ministro Sergio Moro apresentou algumas medidas ao Congresso Nacional, mas elas contêm equívocos que precisam ser corrigidos.
O primeiro deles, pecado original num regime democrático, é a ausência de debate. As medidas, que terão enorme impacto na vida das pessoas, principalmente dos mais pobres, foram elaboradas e apresentadas sem que pesquisadores, profissionais da segurança e do direito e movimentos sociais fossem ouvidos.
Reparar esse erro é um dos objetivos do Grupo de Trabalho, do qual faço parte, criado na Câmara dos Deputados para discutir as propostas de Moro e demais autoridades, como o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes e deputados.
No que se refere ao conteúdo, o chamado pacote anticrime é mais um conjunto de medidas para endurecer a legislação penal do que uma proposta efetiva para a segurança pública. Desta forma, ele precisa ser corrigido tanto no que propõe quanto no seu silêncio sobre temas fundamentais.
O pacote insiste em iniciativas que fracassaram nas últimas décadas: estimulo à violência policial, através da possibilidade de que agentes não sejam responsabilizados caso aleguem que mataram devido à surpresa, medo ou forte emoção, e incentivo ao encarceramento em massa, que aprofundará o caos no sistema prisional e por tabela fortalecerá as facções do narcotráfico.
As mais recentes tragédias cariocas — o fuzilamento de uma família por militares com mais de 80 tiros e o desabamento de um prédio na Muzema, comunidade na Zona Oeste do Rio controlada por milícias — servem de alerta sobre os efeitos dessas propostas.
Somente em 2017, na cidade do Rio, dos 2.131 homicídios registrados, 527 foram praticados por policiais, o equivalente a 25%. No estado, os assassinatos cometidos por agentes da segurança cresceram 171%, entre 2013 e 2017, saltando de 416 para 1.127. Na CPI dos Autos de Resistência, encerradas em 2016 na Assembleia Legislativa, constatamos que 99% desses casos são arquivados. Precisamos de políticas de redução da violência policial, não de brechas legais que permitam que policiais matem e não sejam responsabilizados.
Outro equívoco que precisa ser corrigido é tratar narcotráfico e milícia como organizações semelhantes. A tragédia na Muzema, mais uma vez, mostra a complexidade da ação e do poder de milicianos. A milícia é o Estado leiloado pelas autoridades ao crime organizado.
Grilagem de terras e construção ilegal não acontecem sem a leniência de agentes públicos. Ao contrário do varejo do tráfico, milicianos não constituem poder paralelo, eles atuam dentro do Estado, tem projeto de poder político, transformam controle territorial em domínio eleitoral e negociam esse capital com políticos corruptos. Milícia elege vereador, prefeito, senador. Talvez por isso as 58 medidas que propusemos na CPI, em 2008, para enfrentá-las nunca tenham sido tiradas do papel pelas autoridades responsáveis. Não considerar essas peculiaridades é entrar no jogo perdendo.
Também chama atenção a ausência de referências às urgentes melhorias nas condições de trabalho e valorização da carreira dos policiais e à necessidade de se investir mais em prevenção, integração policial e inteligência. A quantidade de homicídios elucidados no Brasil não chega a 5% e, como revelou O GLOBO, apenas 6% das despesas com segurança pública foram destinados à inteligência entre 2014 e 2018.
Diante desse quadro, o Grupo de Trabalho em atuação na Câmara tem o papel de ampliar e enriquecer esse debate, ouvindo a sociedade para corrigir erros e ir além, através da apresentação de novas propostas que de fato colaborem com a redução da criminalidade.
Marcelo Freixo é deputado federal (PSOL-RJ)