Os mais recentes ataques ao Poder Judiciário não são um fenômeno novo, muito menos estão restritos ao Brasil. Veja-se o que ocorre em países do Leste europeu varridos por ventos ultranacionalistas. Na Polônia, mais de uma dezena de leis tiraram a independência do Judiciário e alarmaram a União Europeia. Na Hungria, além de demissões em massa de juízes, novas regras aprovadas submetem os magistrados ao governo. Por meio de chantagem, no Peru do período Fujimori grampeavam-se juízes, que depois eram expostos à execração pública.
Trago a minha solidariedade e me associo aos representantes da sociedade civil que expressaram em documento público total apoio ao Supremo Tribunal Federal (STF). A esse gesto acrescento minha particular preocupação e alerto para a forma com que algumas forças do atraso conspiram contra uma instituição que, inquestionavelmente, representa o sustentáculo da Cidadania, da Liberdade, do estado democrático de direito.
Em tempo, coube à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado arquivar a proposta de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar o Judiciário. Prevaleceu o bom senso, pois há muito em risco, bem o sabemos, e as consequências recairiam de imediato sobre a independência da Justiça. Seria o convite para uma crise institucional – esta, sim, sem precedentes.
Quando se tentou algo parecido em 1999, a CPI limitou-se às investigações em torno do envolvimento de um senador da República no escândalo do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo. Os anais estão aí para quem quiser consultar. As demais discussões foram deixadas para a reforma do Judiciário, que viria com a Emenda Constitucional nº 45, de 2004.
Não por outra razão, o Regimento Interno do Senado expressamente veda qualquer tipo de investigação, por meio de CPIs às atribuições do Judiciário. Nem precisava, pois repete o óbvio: a prestação jurisdicional ocorre por meio da independência do Poder Judiciário, que livre e motivadamente decide as questões que lhes são encaminhadas.
Distorções e limitações estruturais não são novidade em nenhum dos Poderes. Ninguém é infalível, tampouco cem por cento blindado. Condutas pouco republicanas de magistrados ocorrem e, quando identificadas, é preciso que se puna com rigor, nos termos que a lei estabelece. Para isto existe o Conselho Nacional de Justiça, um dos reclames da sociedade que a reforma de 2004 prontamente atendeu.
Da mesma forma como o Executivo é independente para definir as políticas públicas e o Legislativo para o debate na elaboração das leis, o Judiciário, no exercício da jurisdição, não deve sofrer qualquer tipo de censura, especialmente aquela advinda dos outros poderes. Justamente por isso existem as prerrogativas fundamentais, como a vitaliciedade e inamovibilidade. Quer dizer, o governante de plantão, e mesmo que eventual maioria no Legislativo, não pode aposentar juízes ou removê-los para outra comarca.
“Os tribunais não usam espadas. Os tribunais não dispõem do Tesouro. Os tribunais não escolhem deputados e senadores. Os tribunais não fazem ministros, não distribuem candidaturas, não elegem e deselegem presidentes. Os tribunais não comandam milícias, exércitos ou esquadras. Mas é dos tribunais que se temem e tremem os sacerdotes da imaculabilidade republicana.”
Quando escreveu estas palavras em 1914, muito provavelmente inspirado em Hamilton, Rui Barbosa estava reagindo contra uma investida reacionária que naquela época tentava desmoralizar o Supremo. Como se vê, parece ser um movimento recorrente, tão velho quanto a República, e não foram poucos os constrangimentos que a Corte suportou ao longo do tempo. Aliás, foi no nascer da República, desgostoso com o desempenho do Supremo, que o presidente Floriano Peixoto nomeou dois generais e um médico para preencher suas vagas.
Como Poder independente, cabe ao Supremo a defesa das liberdades civis, o estabelecimento da jurisprudência, a recorrente reafirmação da inviolabilidade dos direitos constitucionais de reunião e livre manifestação do pensamento. Foi ele, em tempos recentes, quem garantiu as cotas raciais em universidades públicas, a interrupção de gravidez de feto anencéfalo, as pesquisas científicas a partir de células-tronco, a união estável homoafetiva, a possibilidade de peças de humor nas eleições, a proibição do financiamento empresarial de campanhas eleitorais… É o que estou lembrando no momento. Bem mais do que os casos penais que têm causado tanta polêmica.
Por fim, e por saber dos dissabores enfrentados nestes momentos difíceis e polêmicos que o Brasil atravessa, reafirmo a firme disposição de contribuir no que se fizer necessário para preservar a dignidade da mais alta Corte de Justiça do País.
Ibaneis Rocha é governador do Distrito Federal