Artigo: Abono salarial deve ser preservado

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No debate sobre a reforma da Previdência, parece haver consenso sobre a manutenção das regras do BPC e da aposentadoria rural, conquistas inscritas na Constituição de 1988 que aproximaram o país de patamares civilizatórios básicos. Uma proposta que não recebeu a devida atenção é a que altera as regras do abono salarial, que passaria a se limitar a quem ganha 1 salário mínimo mensal. Apesar de tentadora pela economia prometida, de R$150,2 bilhões em dez anos, a mudança precisa ser avaliada em suas motivações e efeitos.

De 24 milhões de trabalhadores com ganhos até dois  mínimos, que representam metade do universo no setor formal, apenas 2,7 milhões permaneceriam contemplados pelas novas regras – um corte que prejudicaria 89% dos beneficiários.

A reforma previdenciária é justificada sob argumentos como: (1) necessidade de equilíbrio previdenciário, em vista do envelhecimento da população; (2) harmonizar ônus e bônus de cada indivíduo; (3) destravar amarras ao crescimento econômico.

O abono salarial não tem nada a ver com envelhecimento da população. É pago a trabalhadores da ativa, não a idosos. Tampouco tem a ver com riscos sociais que envolvem perda de renda, como desemprego ou doença. Não tem natureza previdenciária, não contribui para o equilíbrio previdenciário.

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Na lógica de ônus e bônus, cortar o abono salarial prejudicará 21,3 milhões de famílias. Não são os miseráveis, não são os precários do setor informal. Mas são vulneráveis, próximos da pobreza. Uma família de quatro  pessoas e renda de 1,1 salário mínimo tem renda per capita de R$274. Não se trata de famílias abastadas; não são privilegiados.

É difícil crer que retirar o equivalente a R$15 bilhões  por ano de famílias remediadas, com alta propensão a consumir e que ajudam a fazer girar a economia, tenha impacto positivo sobre o crescimento econômico.

O abono salarial apresenta inúmeras virtudes. Beneficia a base da distribuição salarial, ajuda a reforçar o dique da pobreza, alivia a vulnerabilidade. Favorece a oferta de trabalho formal e desestimula a rotatividade; aumenta o valor do emprego para o trabalhador; não gera custos para empregadores diretos, pois o pagamento cabe ao governo – ao contrário, é uma subvenção do governo a empregos de baixa remuneração e produtividade.

Pode ser enquadrado no cabedal de políticas ativas de mercado de trabalho. É o que fazem os modernos sistemas de política social, dos liberais aos social-democratas, preocupados em amparar o emprego com benefícios para aqueles que estão trabalhando. Especialmente importante em um contexto em que os bons empregos, com boa remuneração, se tornam cada vez mais raros.

Criado para permitir a participação do trabalhador nos ganhos das empresas, o abono tornou-se política de combate à pobreza e redução de desigualdades. Também constitui reforço à renda das famílias trabalhadoras e, por consequência, à massa salarial. Com impacto sobre consumo e crescimento econômico. Os benefícios são concedidos com a contrapartida de reforçar o vínculo com o mercado de trabalho formal – de forma acidental, tornou-se política com desenho contemporâneo, em linha com as melhores práticas internacionais.  Pode ser aperfeiçoado, mas não na direção apontada.

Se o que favorece o emprego formal e a atividade econômica contribui para o equilíbrio previdenciário, a melhor contribuição que se pode esperar do abono salarial é sua manutenção.

 

Fábio Waltenberg é professor do Departamento de Economia da UFF, e Celia Lessa Kerstenetzky é professora  do Instituto de Economia da UFRJ

 



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