Já sabíamos que seria feio. Houve, inclusive, quem projetasse queda de dois dígitos no segundo trimestre, mas o resultado final divulgado pelo IBGE bateu na trave nesse quesito: comparada ao primeiro trimestre do ano a atividade econômica, medida pelo PIB, caiu 9,7%, a maior contração registrada na história. Não bastasse isso, o IBGE ainda reviu, para baixo, o ocorrido no primeiro trimestre, agora estimando queda de 2,5% (entre as 10 mais profundas dos últimos 40 anos), contra avaliação inicial de -1,5%. Não há segredo acerca das causas, ou melhor, causa. Trata-se evidentemente de impacto negativo da pandemia. A necessidade de distanciamento social, ainda que imperfeito, limitou a atividade num conjunto de setores, em particular a indústria de transformação e vários segmentos de serviços, marcados pela necessidade de interação e, portanto, risco de contágio.
Não por outro motivo as maiores quedas foram registradas precisamente nos casos da indústria de transformação (-17,5% no segundo trimestre) comércio (-13,0%), serviços diversos (-19,8%) e transporte (-19,3%). Pelo lado da demanda houve colapso do mercado interno, mas principalmente do consumo das famílias. Mais de 80% da retração do PIB no período (178 bilhões de reais) pode ser atribuída à contração inédita do consumo (147 bilhões de reais).
Curiosamente, não parece ter resultado de insuficiência de renda. Apesar do recuo do emprego no país (de 93 para 83 milhões de pessoas) e, portanto, da renda do trabalho (por nós estimada ao redor de 12 bilhões de reais/mês entre o primeiro e segundo trimestres do ano), as transferências do governo federal, na casa de 45 bilhões de reais/mês soam mais que suficientes para compensar a perda de renda. A queda no consumo parece ter se originado na incapacidade de obter bens (menos) e serviços (mais) a serem consumidos, por força do distanciamento. Há indicações, portanto, que parcela considerável do auxílio desembolsado pelo governo tenha sido poupada, talvez em parte involuntariamente, por falta de ter em que gastar, o que sugere alguma capacidade reserva de consumo à frente.
Não é necessário, portanto, nenhum salto de imaginação para concluir que a contração bíblica observada no segundo trimestre será transitória, isto é, ao contrário das recessões “normais”, em que a persistência é a marca registrada (resultados ruins são mais prováveis depois de resultados ruins), provavelmente já veremos recuperação no terceiro e quarto trimestres. Ainda assim, dificilmente o terreno perdido será readquirido rapidamente, o que caracterizaria uma recuperação em “V”, como imagina o ministro da Economia, que comparou o PIB do 2º trimestre com o barulho de um raio, ou seja, algo passageiro. A perda de empregos, formais e informais, a destruição de micro, pequenas e médias empresas nos últimos meses, as dificuldades de entendimento dos padrões de consumo pós-pandemia (faz sentido abrir um restaurante onde aquele fechou, ou será que um “delivery” é a melhor opção) são alguns dos obstáculos a uma recuperação mais vigorosa.
Não apenas o ano deve fechar com uma contração considerável, mas também se afigura provável que a volta aos níveis de atividade que prevaleciam imediatamente antes da epidemia só se verificará em meados de 2021, talvez até um pouco mais tarde.
Posto de outra forma, ainda que a pandemia seja um evento temporário, suas consequências permanecerão conosco por um bom tempo. Os desafios que já existiam antes dela não desapareceram; ao contrário, se tornaram maiores e mais urgentes. Desconfio, cada vez mais, que podemos ter perdido a janela de oportunidade aberta pela reforma previdenciária de 2019.
Alexandre Schwartsman* é doutor em Economia pela Universidade da Califórnia, Berkeley e ex-diretor do Banco Central do Brasil
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