A opção equivocada do governo de privilegiar a Defesa em vez da Educação

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Autor do clássico Leviatã, em que compara o Estado ao lendário gigante bíblico, o filósofo Thomas Hobbes (1588-1679) costumava dizer que a guerra é um fenômeno inerente à natureza humana, pois mesmo em tempos de paz “os homens sempre transportam armas e trancam suas portas”. Se no decorrer do tempo algumas culturas se mostraram menos inclinadas ao belicismo constatado pelo sábio no século XVII, no Brasil do presidente Jair Bolsonaro a assertiva de Hobbes é mais verdadeira do que nunca. No projeto para o Orçamento de 2021, o presidente manifestou claramente sua intenção de destinar mais recursos ao Ministério da Defesa do que a outras pastas cruciais no desenvolvimento do país, como a da Educação.

Em gestação, a proposta orçamentária prevê a disponibilização de 107,9 bilhões de reais para o ministério comandado pelo general Fernando Azevedo e Silva, ante os 73 bilhões de reais de 2020. Trata-se de uma determinação direta do presidente, que “decidiu modificar a distribuição de recursos”, de acordo com a proposta. Por outro lado, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, terá 102,9 bilhões de reais à disposição — menos do que o empenhado pelo governo federal neste ano. A proposta prevê uma espécie de proteção anticontingenciamento para os recursos da Defesa. Imbuído de colocar o texto em discussão no Parlamento, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, rechaçou a possibilidade. “A proposta não faz nenhum sentido”, declarou. De tão descabido e inoportuno, o plano rende críticas até mesmo de quem conhece bem as necessidades das forças militares.“Não é razoável que um aumento desse venha em detrimento de áreas como a Educação”, afirma Raul Jungmann, ex-ministro da Defesa. “E, se fosse ocorrer um aumento, ele deveria vir acompanhado de uma mudança na composição dos gastos, com ênfase em investimentos em desenvolvimento tecnológico, e não em pessoal, como acontece hoje.”

Dos 107 bilhões de reais previstos, quase 90 bilhões de reais deverão ser destinados ao pagamento de funcionários. Outros 6,6 bilhões de reais serão gastos com “benefícios ao servidor”. Para projetos e “outras despesas”, o total previsto não chega a 9 bilhões de reais. Entre as novidades para 2021 pode estar a compra de seis novas fragatas para a Marinha, uma aquisição que encanta os militares. O ministro da Economia, Paulo Guedes, resistiu quanto pôde à pressão da Defesa para liberar a encomenda ainda em 2020, mas teve de ceder na confecção do Orçamento para o próximo ano.

Em meio à ganância militarista, chama atenção um detalhe do plano que trata de abocanhar 55 milhões de reais diretamente da área de Educação a título de pagamento dos oficiais que atuarão no programa de consolidação das escolas militares no Brasil. Além de moralmente discutível, é uma medida injusta. “Os funcionários de escolas militares já têm salário maior do que o dos professores federais”, explica Mirelli Malaguti, professora de economia da UFRJ.

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A história mostra que Bolsonaro está errado. Logo após a II Guerra Mundial, o Japão e a Alemanha, os perdedores do conflito, se viram na condição de abrir mão de suas Forças Armadas por causa dos tratados de paz. Com isso, os dois países aplicaram os recursos que no passado iam para a suas máquinas de guerra em programas educacionais e de desenvolvimento tecnológico. O resultado é que, em menos de duas décadas, ambos já seguiam firmes como potências industriais. Sem inimigos externos, o Brasil agora ameaça gastar mal recursos que poderiam ser mais bem aplicados. É um claro sinal de que, por aqui, a mentalidade tacanha que incomodava Hobbes quase 400 anos atrás segue em alta.

Publicado em VEJA de 26 de agosto de 2020, edição nº 2701



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