Dono de uma biblioteca impressionante, leitor ávido que passeava com uma pilha de revistas importadas pelos corredores do Mackenzie, onde lecionava, o estudioso arquiteto Salvador Candia fugia do clichê do arquiteto inspirado que desenha alguns rabiscos em um guardanapo. Para ele, arquiteto tinha de ler muito, viajar mais ainda e aprender a construir (“arquitetura é construção”, dizia).
Com apenas 24 anos, já tinha sido um dos criadores da revista Pilotis e um dos sócios-fundadores do Museu de Arte Moderna (MAM). Também já havia feito expedições por Europa e EUA, onde conheceu Philip Johnson e se encantou com a arquitetura de Mies van der Rohe, o ex-diretor da escola alemã Bauhaus que estava mudando a cara de Chicago. Anotava e decorava tudo: os amigos o consultavam para pegar dicas de viagens, da arquitetura à gastronomia, como conta o arquiteto Eduardo Ferroni em sua dissertação de mestrado sobre Candia, orientada pela professora Regina Meyer. Ferroni, corretamente, admite que as obras de Candia são mais reconhecidas e reverenciadas que o próprio autor. Vale lembrar quem era Candia.
Formado em 1948, na então conservadora faculdade mackenzista, soube procurar trabalho e estágios com alguns dos mais talentosos (e modernos) arquitetos da cidade. Trabalhou para Rino Levi, Oswaldo Bratke e Vilanova Artigas. Já solo, em 1953, juntou-se ao colega Jacob Ruchti para fazer uma proposta para o terreno onde, anos depois, seria erguido o Conjunto Nacional.
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Nesse mesmo ano, projeta um de seus primeiros grandes edifícios, o João Ramalho, em Perdizes, parte de uma superquadra ajardinada, de alta densidade e aberta, concebida pelo colega Abelardo de Souza. Na mesma época e para o mesmo financiador, o Banco Lar Brasileiro, desenha dois prédios para o bosque-condomínio Jardim Ana Rosa, na Vila Mariana.
No fim dessa década, aos 35 anos (já com um carreira invejável), vence o concurso de projeto para desenhar o Edifício e Galeria Metrópole, na Avenida São Luís, empatado com o colega Gian Carlo Gasperini — os dois toparam, deixando egos de lado, juntarem ambos os projetos em um só, a quatro mãos.
Filho de calabreses, nascido em Mato Grosso do Sul mas criado em São Paulo, Candia faz parte da geração mais cosmopolita da arquitetura brasileira. Quando, sem internet, TV ou WhatsApp, arquitetos nacionais criavam de forma despojada simultaneamente aos grandes centros internacionais, ou tropicalizavam conceitos europeus e americanos um ou dois anos depois de saírem nas revistas da área, algo que nem a alfândega brasileira conseguia retardar. Muitos estrangeiros vinham para se estabelecer aqui, atraídos pela modernidade local, e nossos projetistas liam “com desespero, paixão e curiosidade”, como definiu Candia.
Nos anos 1960, projetou o Edifício Joelma, que entrou para a história pelo mais horrível incêndio da cidade, em 1974, causado por instalações precárias de ar-condicionado. O próprio arquiteto comandaria uma reforma lá anos depois. Hoje é mais fácil admirar como suas formas se integram ao desnível da Nove de Julho e da Rua Santo Antônio. Nessa mesma década, projetou um dos raros arranha-céus com arquitetura na Marginal para o antigo Unibanco. No ano que vem, completam-se trinta anos de sua morte. Que seja lembrado pelo cosmopolitismo e por sua curiosidade.
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Publicado em VEJA São Paulo de 09 de dezembro de 2020, edição nº 2716
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