“De que adianta ensinar educação financeira quando o jovem, depois de anos de lavagem cerebral, acredita que empresário é criminoso e responsável pela pobreza?”
HENRIQUE BREDDA, Fundador do Alaska Asset Management
A democracia brasileira não funciona e o Exército deveria assumir o poder. Faculdades públicas não servem para nada. Estudantes de humanas são despreparados e não sabem fazer conta. Todos os políticos são corruptos. Cloroquina cura o coronavírus. Por mais esdrúxulas que as declarações acima possam parecer, elas foram feitas por profissionais respeitáveis que, teoricamente, ajudam milhares de pessoas a ganhar dinheiro. As frases correspondem ao pensamento predominante na Fintwit, como ficou conhecida a comunidade do mercado financeiro no Twitter. Ela é formada por gestores de fundos, analistas de investimentos e especialistas em finanças que passam boa parte do tempo despejando posts nas redes sociais. Ao contrário do que se poderia imaginar, eles não se restringem a dar vaticínios sobre suas áreas de atuação. Falam sobre tudo — e alimentam uma guerra entre os seguidores.
É curioso como o pessoal da Fintwit tem disposição — e autoconfiança — para opinar sobre tudo. Nestes tempos conflagrados, a política se tornou a área preferida da turma. Uma das postagens mais surpreendentes foi feita recentemente pela educadora financeira Heloisa Cruz, gestora do clube de investimentos Stoxos. Helô, como é conhecida nas redes, se tornou popular no Twitter ao produzir análises interessantes sobre o mercado de ações. Ela, porém, não se contentou com isso e resolveu enveredar por um caminho perigoso. Entre outros disparates, defendeu um golpe militar. “A democracia brasileira não está funcionando. Preferia que o Exército assumisse”, escreveu no Twitter. “Não faz sentido comprometer a próxima geração porque governadores e legisladores querem destruir o presidente.”
“Incomodado com minha opinião? Fala na minha cara… Os covardes são o lixo e a escória da sociedade, os ratos do esgoto da vida.”
RAFAEL FERRI, Fundador do TradersClub
Mesmo quando escrevem sobre finanças, alguns fintwiteiros ultrapassam limites. Eles tratam algumas ações de empresas como se fossem times de futebol. Torcem por ela, dizem que alcançarão um determinado valor em pouco tempo, ou cravam que são papéis que não passam de lixo. Tudo, convenhamos, o que um profissional não deveria fazer. Entre os influenciadores mais incendiários destaca-se o gaúcho Rafael Ferri, fundador da TradersClub, com quase 120 000 seguidores no Twitter. Sem rodeios, ele se dedicou nos últimos dias a ironizar notícias sobre uma possível bolha na bolsa (estava certo) e a rebater suspeitas de manipular o mercado em interesse próprio. Ferri responde na Justiça à acusação de disseminar informações favoráveis a uma empresa para faturar com a alta das ações. Ele nega irregularidades. “Fico feliz que podemos dar opinião. Ainda não viramos a Venezuela.”
“Deixemos de lado os tapinhas nas costas e o jogo ensaiado e falemos francamente sobre os conflitos da indústria.”
RENATO BREIA, Fundador da Nord Research
Uma das críticas ao seu trabalho é a ênfase com que defende as ações de um par de conhecidas empresas de varejo e de um grupo educacional. As ações das varejistas são negociadas em torno de 18 reais, mas Ferri insiste que elas chegarão facilmente a 30 reais. A da companhia de educação é vendida a 7 reais, mas o fintwiteiro assegura que alcançará 15 reais. Pode até ser, mas, com seu poder de influenciar milhares de pessoas, Ferri pode levar muita gente a arriscar em demasia. A Comissão de Valores Mobiliários, que regula o mercado, está de olho em sua atuação, e já ensaia algum freio.
Nem todos tomam posições tão polêmicas na sua área de atuação. Muitos dos personagens que navegam pelo Twitter financeiro são comedidos em seus vaticínios de mercado, mas no campo político demonstram desenvoltura. É o caso de Henrique Bredda, gestor do Alaska, fundo de investimentos de melhor desempenho no Brasil nos últimos anos. Nesta semana, ele cutucou o Congresso. “Guedes aprova? Não. Guedes privatiza? Não. Ele só propõe. Quem coloca em votação se quiser? Maia e Alcolumbre.” E, em pleno auge da cultura do cancelamento, as rixas são recorrentes. Renato Breia, sócio da Nord Research, segue firme no grupo, mas se diz farto da animosidade. “No começo, a galera usava a Fintwit só para se informar, mas agora muita gente se interessa pelas tretas”, diz. “Eu mesmo já me diverti com isso. Revi meus conceitos e hoje estou mais tranquilo.”
“Você que mal entrou, estudou duas empresas e achou que ia sair bilionário: acorda, Brasil! Ninguém acerta tudo. As pessoas chutam.”
CAROL DIAS, Educadora financeira
Recentemente, os fintwiteiros ganharam a concorrência de um ícone das redes: Gabriela Pugliesi, a blogueira fitness que passou meses reclusa após ser criticada por organizar uma festa na pandemia. Ela voltou à ativa dizendo ter descoberto uma nova vocação. “Estou operando na bolsa”, avisou. Carol Dias, ex-assistente do programa Pânico, é a mais influente educadora financeira do país, com 5,8 milhões de seguidores no Instagram. “Não vejo mal em a Pugliesi se interessar em investir”, diz. “O que preocupa é o incentivo ao investimento sem conhecimento, pois há riscos nessas operações.” Com o crescimento dos investidores pessoa física na bolsa, um dado é certo: essa guerra está longe de acabar.
Publicado em VEJA de 19 de agosto de 2020, edição nº 2700
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