A ciência precisa de liberdade para o conhecimento

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“Se eu vi mais longe, foi por estar de pé nos ombros de gigantes”. A frase, escrita por Isaac Newton, um dos maiores gênios da História, em carta endereçada ao rival Robert Hooke em 1675, e baseada em dístico do filósofo francês do século XII Bernard de Chartres, é uma bela metáfora de como o avanço da ciência é mais resultado da construção do conhecimento pela Humanidade ao longo do tempo do que de descobertas isoladas ou inspirações pessoais.

Para isso, no entanto, o conhecimento deve circular. E novamente Newton pode servir de exemplo. Apesar da famosa lenda da maçã caindo enquanto descansava sob uma árvore — sem comprovação histórica — que lhe teria servido de inspiração, a verdade é que não fosse a disseminação da teoria heliocêntrica de Copérnico e das leis da dinâmica orbital de Kepler, entre outros achados anteriores, o gênio inglês dificilmente teria desenvolvido sua Teoria da Gravitação Universal, no que foi a primeira formalização matemática de uma das quatro forças fundamentais da natureza (que incluem ainda o eletromagnetismo e as nucleares forte e fraca).

Disseminação esta que foi propiciada principalmente pela invenção da prensa móvel por Gutemberg, cerca de 200 anos antes. Seu advento acabou com as limitações impostas pela necessidade de se copiar a mão cada exemplar de um livro, dando uma dinâmica até então impensável à circulação do conhecimento que se traduziu em novas ideias e visões do mundo.

Assim, nestes tempos de internet, em que um universo de informações está à distância de um clique, seria de se esperar que o conhecimento circulasse com uma liberdade e velocidade espantosas, fomentando e inspirando avanços na ciência a um ritmo inimaginável em outras épocas.

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Mas não é esta a realidade. Trancadas atrás dos paywalls de algumas das publicações científicas de maior prestígio do mundo, muitas descobertas e novas ideias permanecem inacessíveis a boa parte dos pesquisadores ao redor do planeta e têm sua disseminação contida, num sistema especialmente prejudicial aos pesquisadores de países pobres e em desenvolvimento, que muitas vezes não conseguem acessar os próprios estudos nas ocasiões em que conseguem “emplacá-los” nestes incensados periódicos.

O problema começa com o preço das assinaturas. Em alguns casos, o valor pode chegar a milhares de dólares anuais, que multiplicados pelas às vezes dezenas de periódicos dedicados a uma área, outros tantos ainda mais especializados e alguns mais “genéricos”, acabam por torná-los inviáveis, mesmo para instituições “ricas” de países desenvolvidos. É o caso, por exemplo, do sistema Universidade da Califórnia, nos EUA.

No fim de fevereiro, a instituição, que tem dez campi espalhados pelo estado americano, anunciou o cancelamento de todas suas assinaturas de periódicos científicos editados pela Elsevier, uma das gigantes do setor. A decisão foi reação ao fracasso das negociações em que a Universidade da Califórnia procurava garantir livre acesso global aos estudos publicados nos periódicos da Elsevier pelos seus pesquisadores, que respondem por cerca de 10% de toda produção de conhecimento dos EUA, ao mesmo tempo que reduzir os custos das assinaturas para o sistema, de “muitos milhões de dólares” anuais.

“Não se enganem: os preços dos periódicos científicos hoje são tão altos que nenhuma universidade dos EUA, nem a Universidade da Califórnia, nem Harvard, nenhuma instituição, pode arcar com assinar todos” resumiu Jeffrey MacKie-Mason, bibliotecário e professor de economia da Universidade da Califórnia em Berkeley e copresidente da equipe de negociação da instituição com a Elsevier. “Publicar nossa produção de conhecimento atrás de um paywall impede as pessoas de acessar e se beneficiar de pesquisas financiadas com dinheiro público. Isto é terrível para a sociedade.”

Segundo a Universidade da Califórnia, a Elsevier não concordou com um contrato “razoável” que integrava as assinaturas e as taxas cobradas pela editora para que os estudos fossem de livre acesso, o que permitiria que a facilidade se tornasse padrão nas publicações pelos pesquisadores da instituição e daria estabilidade aos custos dos periódicos para o grupo universitário.

Mas a busca da Universidade da Califórnia para que o conhecimento produzido pelos seus pesquisadores seja de livre acesso a cientistas, e público, de todo mundo, em especial o resultante de pesquisas financiadas com dinheiro dos contribuintes, é apenas um dos mais recentes movimentos neste sentido no planeta.

A campanha pelo livre acesso a pesquisas ganhou ímpeto a partir de 2012, quando o Instituto Médico Howard Hughes, a Sociedade Max Planck e o Wellcome Trust, três das maiores fundações privadas de fomento da ciência do mundo, anunciaram a criação do eLife, periódico científico online de acesso aberto que concentraria a publicação de estudos financiados por elas. Capitaneado até recentemente por Randy Schekman, laureado com o Prêmio Nobel de Medicina de 2013, o eLife cresceu e estabeleceu um novo padrão para publicações para além do “fator de impacto” tão cobiçado por muitos cientistas que buscam ver suas pesquisas nos periódicos fechados mais prestigiados, com diversos outros ganhadores do Nobel se comprometendo a só publicar suas pesquisas lá ou em outras iniciativas do tipo.

E é com a mudança de mentalidade na própria comunidade científica sobre a importância dada a estes fatores de impacto dos periódicos proporcionada pelo eLife que o movimento pelo livre acesso continua a crescer. Assim, em setembro do ano passado, 11 agências de fomento europeias que investem cerca de US$ 9 bilhões anuais em pesquisas lançaram o “Plano S”, segundo o qual até o ano que vem todos estudos feitos com seus recursos devem ter acesso aberto assim que publicados. A iniciativa prontamente ganhou adesão do Conselho Europeu de Pesquisas, o braço de fomento da União Europeia que investe outros cerca de US$ 5 bilhões anuais em ciência.

Já aqui no Brasil, o destaque na área é a plataforma Scielo. Fruto de pareceria da Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp) com o Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (Bireme), a biblioteca eletrônica lançada em 1998 acumula hoje quase 600 mil artigos de mais de 1,2 mil periódicos com livre acesso, estando presente em 14 países. E o movimento continua, com a própria Fapesp, maior fundação estadual de fomento da ciência do país, anunciando recentemente nova política em que todos os trabalhos resultantes, total ou parcialmente, de projetos e bolsas financiados por ela devem ser divulgados em periódicos que permitam o arquivamento de uma cópia em um repositório público como o Scielo.

Mas ainda há um longo caminho a percorrer para que a produção científica mundial se torne de livre acesso total. De acordo com levantamento da base de dados científicos Scopus feito por um grupo de universidades britânicas, em 2016 37,7% dos periódicos científicos editados no mundo ainda eram de acesso completamente fechado, apenas para assinantes, com 2,2% proporcionando livre acesso aos artigos após um período de “quarentena”, 45% adotando um modelo “híbrido”, com acesso restrito nos seus sites, mas permitindo aos autores manter cópias de livre acesso, e só 15,2% de livre acesso. Avanço frente aos respectivamente 49,2%, 2,1%, 36,2% e 12,4% observados em 2012, mas pouco para que todos os cientistas do mundo tenham a oportunidade de subir nos ombros de qualquer gigante.

“O caminho para o acesso aberto nas universidades, e no mundo, está sendo construído há algum tempo”, destacou Ivy Anderson, vice-diretora-executiva da Biblioteca Digital do grupo Universidade da Califórnia e a outra copresidente da equipe de negociação com a Elsevier. – Muitas instituições e países concordam que o sistema atual é tanto insustentável quanto mal adaptado às atuais necessidades dos esforços globais de pesquisa. O livre acesso vai fomentar o avanço mais rápido e melhores pesquisas, além de uma maior igualdade no acesso a novos conhecimentos.



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