Toda semana, a sala de reuniões do 11º andar do Edifício Matarazzo, sede da prefeitura de São Paulo, recebe integrantes da cúpula da segurança pública e de programas de saúde e assistência social para debater estratégias que visam acabar com o tráfico na Cracolândia e também encontrar formas de atender os dependentes químicos e pessoas em situação de rua.
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Quem senta na cabeceira da mesa e coordena os trabalhos é o secretário-executivo de Projetos Estratégicos da administração municipal, Alexis Vargas, de 45 anos, um especialista em direito público que atuou durante dezenove anos na área de consultoria da FGV. “Se eu resolver esse problema complexo, saio da prefeitura como um consultor premiado. Se eu não resolver, vou ser só mais um que não resolveu”, declara.
No dia em que recebeu a reportagem presencialmente para a entrevista, Alexis foi questionado sobre a sua motivação para trabalhar no projeto e se havia algum fator pessoal nessa escolha. Financeira não era, pelo que ele disse. “Eu vim aqui para ganhar um terço do que eu ganhava e trabalhar mais, porque tenho uma rotina muito mais forte e pesada.”
Dois dias depois, ele enviou uma mensagem dizendo que sua gana é motivada pelo histórico familiar. Um de seus irmãos teve envolvimento com drogas na adolescência e tirou a própria vida em 1998, quando tinha 28 anos. “É claro que isso me sensibiliza muito em relação ao tema e a pensar nas dificuldades de tantas famílias paulistanas, em especial aquelas mais vulneráveis e com menos estrutura para enfrentar essas situações”, explica.
Com sólida formação acadêmica, Alexis já atuou como docente na PUC e na FGV e advogou para campanhas eleitorais. Integrou ainda governos do PT, como o de Campinas, quando trabalhava na Secretaria de Saúde na gestão de Celso Daniel, morto em 2002, e foi consultor na Secretaria-Geral da Presidência da República na gestão Dilma.
Hoje tucano convicto, ele foi convidado a integrar a prefeitura de São Paulo por Julio Semeghini, um dos braços direitos do ex-prefeito João Doria (PSDB). O foco inicial de seu trabalho foi cuidar do Plano de Metas. Os detalhes das propostas ainda estavam em discussão em audiências públicas quando houve a atabalhoada e muito criticada ação policial na Cracolândia em maio de 2017.
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“A versão inicial do programa de metas não tinha o Redenção. Foi criado no susto”, diz. O programa Redenção substituiu o Braços Abertos (instituído na gestão Fernando Haddad) como meio para dar assistência de saúde e de tratamento para dependentes químicos. Desde o ano passado, Alexis passou a cuidar quase que exclusivamente do Redenção. Foi a partir daí que as ações na região foram turbinadas.
Usando a experiência como consultor de projetos, conta que o mapeamento de como o tráfico atuava na região surgiu de uma dessas reuniões semanais na prefeitura. Assim como o emprego de agentes policiais infiltrados no meio dos dependentes químicos e informantes. “As equipes de saúde não têm essas informações, nem mesmo as equipes de assistência social.”
Por meio desses dados, foi possível identificar uma das formas que a droga chegava à região da Nova Luz — onde o fluxo original existia trinta anos atrás e saiu em março —; ele se dava por meio da estação de trem da CPTM. “Tivemos a ideia de colocar PM com cão farejador, a CET instalou barreiras de acesso na área”, conta.
Esse mapeamento permitiu ainda estimar o tamanho do faturamento do comércio de drogas na região da Cracolândia: 200 milhões de reais por ano. Foi possível concluir ainda que as pessoas em situação de rua eram apenas escudo para o tráfico de drogas, cenário que se repetiu na Praça Princesa Isabel, local para onde o fluxo migrou no dia 19 de março e, após novas ações, já foi pulverizado para outras ruas do entorno.
Seja indo até a região central ou por meio de imagens de um telão instalado em sua sala, Alexis monitora diariamente a situação da chamada Praça do Cachimbo (esquina da Rua Helvétia com Alameda Cleveland), Praça Princesa Isabel e outras ruas do centro para onde os dependentes químicos se espalharam. “A Cracolândia tal qual existia antes não existe mais”, diz.
“A Cracolândia tal qual existia não existe mais.”
Alexis Vargas, secretário- executivo de Projetos Estratégicos da prefeitura
Questionado sobre a pulverização, já que os dependentes químicos ocupam cada dia um lugar diferente no centro, ele diz que isso aconteceu em diversas outras cidades que tinham o mesmo problema, como Los Angeles (EUA), Frankfurt (Alemanha) e Bogotá (Colômbia). “Várias cidades do mundo reduziram, algumas extinguiram e outras não.”
Ele diz acreditar que essa dispersão é apenas uma fase motivada pelos dependentes em busca de drogas. “Quando tira a droga, essa população fica perdida”, afirma. Alexis diz ainda que, desde março, cerca de 1 000 dependentes químicos receberam acolhimento. Entretanto, como o fluxo é dinâmico, não é possível saber ao certo quantas pessoas estão na região hoje.
“Não para de chegar gente (aos pontos de uso). Enquanto estavam concentrados, tínhamos como medir com drone, agora dispersos, não.” As mais recentes ações na Cracolândia renderam, mais uma vez, críticas de entidades de direitos humanos, defensorias públicas e Ministério Público Estadual. Esse último, inclusive, abriu um inquérito para averiguar a operação do dia 12 de maio, responsável por esvaziar a Praça Princesa Isabel.
Apesar de ser o coordenador das ações, Alexis não é citado no inquérito. Instado a fazer autocrítica das ações, ele diz só lamentar a demora para ter mais informações sobre o funcionamento do tráfico na região e que a ampliação de novos serviços de atendimento poderia ter ocorrido antes.
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Publicado em VEJA São Paulo de 1 de junho de 2022, edição nº 2791
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