Os empresários Daniel Valente Dantas, Kati Almeida Braga e Guilherme Frering nasceram em estados diferentes, mas têm algo em comum: os seus negócios estão sediados na cidade do Rio e eles fazem questão de manter uma distância prudente da mídia e, sobretudo, da lista da Forbes. Dantas, nascido em Salvador em 1954, foi diretor executivo na antiga Icatu DTVM, anos 1980, de propriedade de Antonio Carlos de Almeida Braga, o pai de Kati – nascida Maria do Carmo. O apelido foi herdado da avó. A Icatu ficava em um andar no prédio da Associação Comercial, próximo da igreja da Candelária, famosa por grandes casamentos e eventos na época de glamour da cidade.
Guilherme Frering, nascido no interior de São Paulo, conheceu de perto este grand monde em razão da convivência com o avô materno, o lendário Augusto Trajano de Azevedo Antunes, o maior empresário de mineração do século XX, dono do grupo Caemi. Guilherme e o irmão herdam o conglomerado do avô. Frering morou por uns tempos em Londres, aprofundou-se nos estudos e retornou ao Brasil para continuar a vida de empreendedor, após a venda da Caemi.
A mesma Londres encantou Daniel e serve como apoio para o seu embate com a Telecom Italia. Dantas tem a certeza de que um CD adulterado, fruto de grampos telefônicos ilegais, gerou duas Operações da Policia Federal, a Chacal, em 2004, e a Satiagraha, em 2008. Mesmo com as antipatias da imprensa e do Governo Lula, Dantas, depois de um exaustivo trabalho, consegue reunir provas e argumentos que levam o STJ a anular, por unanimidade, a Satiagraha e o seu delegado é expulso da Polícia Federal. Hoje, a sede da sua empresa, em sociedade com o respeitado gestor de fundos Dório Ferman, 75 anos, continua no Centro do Rio. O Opportunity administra mais de 40 bilhões de reais. Daniel tem outros negócios, como a Santos Brasil, a AgroSB, a maior fornecedora de carnes para a JBS, uma empresa de mineração, uma fatia da Petrorecôncavo e muitas terras em regiões litorâneas e no interior do Brasil. E por meio de seus fundos imobiliários investe alto na cidade, com a compra do icônico Hotel Gloria, onde ficou hospedado o físico Albert Einstein e dezenas de políticos e autoridades de todo o mundo. Trata-se de um risco, palavra que vem do italiano antigo risicare, ou seja, arriscar, como escreveu certa vez Dantas. “Número bom é o que soma fácil”, completa.
A família de Kati optou por outro tipo de negócio e hoje é a dona da Icatu Hartford, que está entre as dez maiores seguradoras do país, e de um familly office. Ao contrário de Dantas, ela faz um estilo informal, o que não a impede de trabalhar como um azougue. Permanece no Rio por teimosia, pois os seus principais negócios estão no Sul do Brasil e em São Paulo. No ano passado, nos tempos pré Covid-19, sete dos dez restaurantes que frequentava, na Zona Sul, estavam fechados. A observação foi feita por seu motorista.
Kati é discreta em falar do apoio à cultura, mas é a grande sponsor da Casa do Saber, tem como xodó a Gravadora Biscoito Fino e tira do próprio bolso a ajuda ao Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais), além de outras iniciativas.
Na gravadora, ela se diverte como nos tempos do Banco Icatu, início dos anos 1990, onde quinzenalmente convidava Mario Henrique Simonsen. A reunião começava pontualmente às 17h e, às vezes, ia até a meia noite. Certamente, o uísque e o cigarro embalavam os encontros. No melhor carioquês, Kati me disse que “Simonsen era ingovernável. Falávamos do Brasil, de economia, um pouco sobre política, mas também de xadrez e de música”. Eram outros tempos da cidade, onde o Centro fervilhava.
Por uma mera coincidência, a sede da Icatu fica no mesmo prédio comercial, no Leblon, em que está estabelecida a holding de Guilherme Frering, 61 anos, a Companhia do Vale do Araguaia, criada em 2005 para atuar na produção sustentável de mudas de teca (tectona grandis). A empresa fica no cerrado mato-grossense e ocupa uma área de quase 10 mil hectares. Frering e a mulher Antonia, atriz, criaram o Instituto Desiderata _ uma ONG com forte atuação na área de educação e de saúde voltada para crianças e adolescentes _ à qual não dão publicidade. O trabalho da Vale do Araguaia exige a paciência de um semeador, pois do plantio da teca à produção final são 22 anos pela frente. É menor, porém, do que os 30 anos que separam da sua primeira e provavelmente a última entrevista coletiva. O avô Azevedo Antunes anunciou à imprensa o novo comandante da Caemi. À época o negócio valia US$ 800 milhões (dezembro de 1990). Foi uma operação de mídia organizada com esmero pelo advogado Jorge Hilário Gouvêa Vieira, outro membro da elite carioca e sócio de uma banca de advocacia, atualmente gerida por seu filho. O seu pai, João Pedro Gouvêa Vieira, fundou a Refinaria de Manguinhos, no Rio, e teve grande presença na política brasileira.
A política não é o foco de Daniel, que esteve, aos 35 anos, com um pé no Ministério da Economia. Na verdade, o presidente eleito Fernando Collor queria a economista Zélia Cardoso de Mello, infinitamente menos equipada do que Dantas, que por diletantismo dava umas aulas no Instituto de Matemática Pura e Aplicada, o prestigiado e internacional Impa, situado no Jardim Botânico e perto da Floresta da Tijuca, um local silencioso e aprazível. “As aulas eram brilhantes, o seu raciocínio muito rápido”, me disse certa vez Marcelo Serfaty, o chairman do BNDES e homem de confiança do ministro Paulo Guedes. Daniel fez o seu pós-doutorado por indicação de Franco Modigliani, Prêmio Nobel de Economia em 1985, no prestigiado MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), fundado em 1861. Daniel conclui o curso antes dos 30 anos.
O carioca da gema Simonsen, criado na Urca, unia Kati e Daniel e tem a admiração de Frering. Enquanto a primeira era uma banqueira por natureza, Daniel nutria especial apreço pelas aulas do professor a ponto de fazer um curso especial resumido no livro “Ensaios Analíticos” sobre temas variados da ciência, início dos anos 1990, na FGV, em Botafogo. Foi um pouco antes de Daniel encerrar a sociedade com o Banco Icatu e fundar o seu Opportunity junto com Dório, em fins de 1993. No curso, apreciava certa dose de heterodoxia como a seguinte frase do professor que merecia uma lápide:
“O fundamento da teoria das expectativas racionais é um estelionato verbal: considera-se racional quem se comporta com a teoria”. A teoria foi criada em 1961, mas disseminado pela Universidade de Chicago, pautada pelo liberalismo econômico exacerbado, nos anos 1970. Com modéstia, Daniel me disse que o curso se tratava de uma espécie de “primário avançado”.
Simonsen não nutria simpatias pela esquerda e aqui nesta EXAME, em janeiro de 1993, escreveu uma frase em sua coluna quinzenal que causou incômodo:
“Se você tiver uma fazenda e na hora da colheita tiver que optar entre um administrador petista e uma nuvem de gafanhotos, fique com os gafanhotos”.
Trata-se de um exagero do ex-ministro da Fazenda (1935-1997), mas era um Simonsen em estado puro que deixou saudades em empresários que ainda mantêm seus negócios na cidade do Rio por teimosia. E preferem trabalhar longe dos holofotes como bons semeadores.
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