Por vezes, atores ou atrizes buscam um recomeço em sua carreira escolhendo algum papel ousado, fora do registro que os consagraram. Aconteceu, por exemplo, com Meg Ryan, namoradinha da América que se tornou furacão sexual no longa “Em Carne Viva” (2003), de Jane Campion. Nesse caso, tanto a ótima Ryan quanto a ótima Campion não foram muito felizes na empreitada, e hoje o filme resta esquecido em algum cemitério da primeira década do século 21.
Acontece novamente com Adam Sandler, ator consagrado na primeira metade dos anos 2000 por comédias românticas deliciosas (“Como se Fosse a Primeira Vez”, 2004) ou refilmagens de nível variado como a boa “Golpe Baixo” (2005) ou a mediana “A Herança de Mr. Deeds” (2002), antes de cair no humor vulgar de “Zohan – O Agente Bom de Corte” (2008) ou “Eu os Declaro Marido e… Larry” (2007).
Com “Joias Brutas”, o ator procura um renascimento na pele do joalheiro judeu que se envolve em inúmeras picaretagens por conta de sua irrefreável ganância e de um incontrolável vício em apostas. De Benny e Josh Safdie, diretores que se revelaram com bons filmes como “Amor, Drogas e Nova York” (2014) e “Bom Comportamento” (2017), esperava-se agora o pulo do gato, o salto para um estatuto de grandes autores do cinema contemporâneo. Esperava-se, também, que da união dos promissores cineastas irmãos com um ator com sede de renovação viesse um filme memorável. Infelizmente, não chega a tanto, pois faltaram algumas coisas na equação.
Para começar, mesmo com um ritmo semelhante ao de “Bom Comportamento”, a atuação de Adam Sandler parece correr na frente durante todo o primeiro terço do filme, e os diretores só conseguem emparelhar com ele, contendo sua verborragia, perto da metade do filme. Mais ou menos um pouco depois disso, surge aquela que é a melhor sequência de “Joias Brutas”: a do encontro familiar judaico, quando a leitura das pragas, em hebreu e inglês, por Howard (Sandler) e sua mãe, impõe um ritmo cadenciado que permite uma respiração. A partir daí o filme melhora, ainda que vez por outra os exageros do protagonista nos levem a antipatizar com ele (como pode ser tão burro e irresponsável?).
Há ainda uma relação um tanto mal explicada entre ele e o ídolo da NBA Kevin Garnett, vivido pelo próprio, em que conseguimos antipatizar um pouco com os dois. Do mesmo modo, a aparição do cantor The Weeknd (também interpretado por ele mesmo) parece girar em falso, colocada apenas como uma liberdade poética para mostrar um ídolo em ascensão com modos de imperador.
Para o lado positivo, podemos considerar a presença de Eric Bogosian (ator e criador do melhor longa de Oliver Stone, “Talk Radio”, 1988) como Arno, parente (irmão?) de Howard, mas também um de seus credores. Bogosian tem uma interpretação misteriosíssima, que serve muito bem ao filme. Temos também a novata Julia Fox, que brilha como a amante de Howard.
Claro que as comparações com “A Morte do Bookmaker Chinês” (1976), de John Cassavetes, são despropositadas. O filme parece perseguir esse modelo, mas os Safdie não são Cassavetes e Sandler não é Ben Gazzara. Fora que essa direção de inspiração cassaveteana parece ignorar, por vezes, algo que era caro ao autor de “Uma Mulher Sob Influência” (1974): o desejo de flagrar as ações de seus personagens do melhor ângulo possível.
Que não se entenda com isso que os irmãos Safdie sejam carta fora do baralho. Se não houve evolução em suas carreiras até aqui, também não houve involução. E o conjunto da obra ainda permite que fiquemos atentos em seus futuros passos, juntos ou separados.
* Sérgio Alpendre é crítico e professor de cinema
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