Pense duas vezes antes de entrar numa “treta” pelas redes sociais. O conselho vem com conhecimento de causa: o youtuber Spartakus Santiago anda atento a algumas “iscas” lançadas no ambiente virtual. Segundo ele, tem muita gente fazendo comentários racistas, homofóbicos e machistas justamente porque sabe que vai receber uma reação de protesto.
– Esses influenciadores têm conseguindo milhões em audiência e estão ganhando dinheiro em cima da nossa indignação. Tudo isso impulsionado por nós, que denunciamos esse conteúdo e expomos nas nossas redes sociais achando que estamos lutando contra isso – diz ele, que acaba de entrar para o elenco do programa “Saia justa”, do GNT, como colunista.
O alerta foi dado em de seus vídeos mais recentes, que rapidamente ganhou uma chuva de likes e compartilhamentos nas redes, algo recorrente em sua carreira. Negro, gay e nordestino, o youtuber, de 24 anos, é formado em publicidade pela Universidade Federal Fluminense e em Direção de Arte pela Miami Ad School Rio/Nova York e despontou na mídia quando, em meados de 2017, postou um vídeo no Facebook sobre apropriação cultural. Na época, bastaram dois dias para que tivesse quatro milhões de visualizações e ele 12 mil seguidores.
Atualmente, Spartakus tem mais de 100 mil inscritos em seu canal, acumula 70 milhões de visualizações e tem 122 mil seguidores no Instagram. Por meio desses canais, ele escoa sua fala sobre temas que lhe são caros, como discriminação, política, cultura, que também permeiam a entrevista abaixo.
O GLOBO – Você fez um vídeo recentemente falando sobre o quanto há influenciadores crescendo em cima de polêmicas e “tretas”. Como isso acontece?
SPARTAKUS – O algoritmo das redes sociais favorece assuntos polêmicos, porque eles engajam mais, gerando mais likes e visualizações. Por isso, tem muito youtuber sendo racista, homofóbico e machista porque sabe que vai receber uma reação de protesto. Falem bem ou falem mal, a pessoa vai ganhar mais visibilidade.
Qual a dimensão disso?
Gigante. Esses influenciadores têm conseguindo milhões em audiência e estão ganhando dinheiro em cima da nossa indignação. Tudo isso impulsionado por nós, que denunciamos esse conteúdo e expomos essas pessoas nas nossas redes sociais achando que estamos lutando contra isso.
Quais são as consequências?
Terríveis. A manipulação desse algoritmo de forma política é uma delas. Tem youtuber, por exemplo, que cresceu tanto dessa forma, que conseguiu se eleger deputado. O próprio Bolsonaro era um deputado sem muito destaque até começar a polemizar na internet, e hoje se tornou o presidente do país. Estamos criando monstros.
Como frear esse comportamento?
É preciso que a gente pare de ser “gado”, que é a forma como participantes de fóruns de extrema direita chamam militantes de internet facilmente manipuláveis. É preciso ser estratégico, usar a função “denunciar” já presente nas redes sociais e deixar quem é irrelevante “morrer” no silêncio. E, claro, temos que dar visibilidade a quem realmente merece.
Em que nível chegam as ameaças e manifestações de ódio contra você?
Já recebi desde ofensas ridicularizando minha cor e sexualidade até ameaças de morte de pessoas falando que iam me matar, cortar em pedaços, cozinhar e dar para os cachorros comerem. Infelizmente, a internet virou um ambiente extremamente tóxico. Hoje, minha prima modera meus comentários para que eu não tenha que lidar com essa energia negativa.
Por outro lado, quais as consequências positivas da sua exposição?
Hoje consigo viver 100% do meu propósito, que é empoderar pessoas pretas e LGBTs, lutar por mais igualdade e felicidade para todos. Conheci várias pessoas incríveis e alinhadas com a minha luta. Tenho um programa de TV, o Cineclube Futura. E um dos meus vídeos entrou para o acervo permanente do Masp, o maior museu da América Latina. Mesmo com os problemas, sou muitíssimo grato ao universo por tudo que ele me deu.
No vídeo que entrou para o acervo do Masp, você e dois colegas dão dicas sobre como a população de comunidades deve agir em abordagens feitas por policiais ou agentes das Forças Armadas. Por que essa gravação fez tanto sucesso?
Acredito que por dois motivos: a metade do público que conhece o genocídio negro que acontece nesse país viu ali um conteúdo de utilidade pública e compartilhou o máximo para evitar mortes de amigos e parentes; a outra metade achou que o vídeo era exagerado e sensacionalista por falar, por exemplo, que é um risco pra pessoas negras andarem com um guarda-chuva grande na favela, algo que causou a morte de um homem, ano passado, no Rio. O vídeo retrata a atualização da resistência negra para o ambiente digital e, em tempos de intervenção federal e violência policial, é preciso saber se defender.
Mudou alguma coisa de lá para cá no cenário descrito por vocês?
Marielle, mulher negra e favelada, foi assassinada por lutar contra exatamente a mesma coisa: a falta de paz dos moradores das favelas. Políticos fascistas que desprezam a vida do morador da periferia e acham que tudo se resolve na bala foram eleitos. Então, acredito que o cenário piorou bastante.
Como será a sua participação no programa “Saia justa”? O que está achando da experiência?
Serei colunista e estarei semanalmente, em vídeo, expressando meu ponto de vista sobre temas variados. É uma honra enorme. Afinal, esse é um dos programas que traz debates superrelevantes para a TV. Além de ser um programa liderado por mulheres incríveis, ele já teve como colunista a Jout Jout, outra youtuber que admito muito.
Por que é importante estar na TV para um youtuber?
A TV fura a bolha do nosso algoritmo e leva nossa mensagem além. Quanto mais pessoas eu puder desconstruir e gerar reflexões, melhor. Além disso, tradicionalmente, a TV não é um espaço amigável pra pessoas negras e LGBTs. Estar lá é um ato político.
Você já fez um vídeo falando sobre a solidão do gay negro. Isso acontece mesmo com uma pessoa com fama, como você?
A rejeição deixa marcas, independente do seu número de seguidores. Hoje eu tenho muito mais visibilidade e estou me relacionando com alguém. Mas meu primeiro relacionamento da vida foi há três meses. A homofobia e o racismo destroem a autoestima de pessoas negras e LGBTs, fazendo não só elas serem sempre desprezadas, mas também criando a insegurança e a autosabotagem, que destroem a nossa vida. Felizmente, estou conhecendo minha cura emocional e tentando usar o meu canal para compartilhá-la com outras pessoas.
O que o levou a montar um canal no YouTube e como você definiu o recorte de temas que aborda por lá?
Em 2017, fiz um vídeo para explicar o que era apropriação cultural e ele viralizou, recebendo 4 milhões de views em dois dias. Isso me fez notar que tinha potencial para usar minha voz para desconstruir preconceitos raciais e contra LGBTs e ajudar pessoas como eu. Falo de militância, cultura afro e LGBT e autoconhecimento, para que o brasileiro entenda melhor seu lugar na sociedade e consiga celebrar sua identidade.
Como você se abastece para falar sobre esses temas?
Conversas com amigos, leituras de autoras negras, observação. Tento anotar sempre o que quero expressar para o mundo e transformar em um roteiro. É um trabalho bem artístico no meu ponto de vista.
O que mais você deseja conquistar?
Meu objetivo maior é ajudar outros jovens como eu a serem mais felizes. Jovens negros e LGBTs de 15 a 29 anos, o grupo que faço parte e que são as maiores vítimas de suicídio nesse país. É difícil perder as pessoas que você ama diariamente, porque elas simplesmente desistiram de viver. Ser bicha preta e feliz hoje é o maior ato de resistência. Não sei exatamente onde quero chegar, mas sei que quero que o caminho seja leve, cheio de luz e energia.