No começo dos anos 1960 em uma cidadezinha pacata, dois meninos encontram a moça mais bonita da cidade morta e decidem investigar o crime por conta própria. Essa é a premissa de “Se eu fechar os olhos agora”, nova série da Globo que estreia na segunda-feira no Globoplay e, no dia 15, na TV aberta. Porém, a trama de Ricardo Linhares, inspirada no livro de Edney Silvestre, pretende ir além do enredo policial e fazer um estudo sobre a natureza humana dentro de uma sociedade opressora.
— Há várias pistas falsas, mas o importante para mim não é a investigação criminal, mas sim falar da vida daquelas pessoas. Os personagens daquela época viviam sobre uma ditadura do patriarcado branco. Eles não podiam sair de uma linha pré-estabelecida, em uma suposta harmonia. Mas a natureza humana é uma coisa muito difícil de se calar e chega uma hora que explode — afirma Linhares.
Amigo de Silvestre, o autor conta que sentiu o potencial do livro para uma adaptação para a TV no momento em que o leu. Mas também precisou tomar diversas liberdades para fazer com que a história rendesse dez episódios. Novas mortes foram acrescentadas, e a exuberante Adalgisa (Mariana Ximenes), uma ex-miss de ares modernos e esposa-troféu do empresário Geraldo (Gabriel Braga Nunes), foi criada para servir de contraponto ao conservadorismo dos moradores da fictícia São Miguel, no interior do Rio de Janeiro.
Antônio Fagundes como Ubiratan em ‘Se eu fechar os olhos agora’ Foto: Mauricio Fidalgo / TV Globo
Além disso, Ubiratan, personagem solitário de Antônio Fagundes que ajuda os meninos Paulo (João Gabriel D’Aleluia) e Eduardo (Xande Valois) a procurar quem matou a jovem Anita (Thainá Duarte) ganhou um passado que lhe deu uma outra motivação para querer investigar o crime.
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— Não vou me aprofundar muito para não dar spoiler, mas, por causa desse passado, o Ubiratan tem uma compaixão que falta um pouquinho aos outros adultos da trama. Ele tem uma vivência mais profunda, mais humana, mesmo que tenha sofrido alguns reveses na vida — diz Fagundes, que também foi narrador do audiobook de “Se eu fechar os olhos agora”.
Para o ator, a vivência idílica dos meninos, em uma cidade pequena no meio do século XX, dá força à temática da perda de inocência que permeia toda a série — algo reforçado pela direção artística detalhada e poética de Carlos Manga Jr.
— Eles têm uma relação mais direta com a infância, uma coisa que a gente perdeu na cidade grande. Hoje uma criança perde a inocência na frente de um tablet, com cinco anos de idade — observa.
Os meninos Paulo (João Gabriel D´Aleluia) e Eduardo (Xande Valois) protagonizam ‘Se eu fechar os olhos agora’ Foto: Mauricio Fidalgo / TV Globo
Mesmo assim, o que os meninos vão descobrir com o passar dos episódios não é distante de temas que cercam a atualidade. O machismo e o racismo se fazem presentes em diversos momentos da história, que é narrada pela versão adulta de Paulo (em uma participação especial de Milton Gonçalves). O retrato mais forte disso é Anita, que acaba sendo a primeira vítima do assassino. Cobiçada pelos homens da cidade, a jovem negra usa os cabelos louros e alisados.
— O cabelo dela é o reflexo de uma pressão social. Ela não se enquadra como uma mulher negra, por ocupar um cargo social relevante, como a mulher do dentista da cidade pequena. É como um disfarce, uma máscara — comenta Thainá Duarte.
Paulo (João Gabriel D’Aleluia): em sua versão adulta, ele é o narrador da história. Filho de um açogueiro branco que o trata com desprezo, o menino cresceu sem a mãe, que morreu ao dar à luz Foto: Mauricio Fidalgo / TV GloboEm sua versão adulta, Paulo é vivido por Milton Gonçalves, ao relembrar o crime que marcou sua infância Foto: Mauricio Fidalgo / TV GloboEduardo (Xande Valois): melhor amigo de Paulo, é filho da costureira Rosângela (Martha Nowill) e do mecânico Rodolfo (Leonardo Machado), que cuidam do filho com carinho. É apaixonado por Vera Lúcia (Julia Svacinna), a filha mais nova do prefeito Adriano Marques Torres (Murilo Benício) e da primeira-dama Isabel (Débora Falabella) Foto: Mauricio Fidalgo / TV GloboUbiratan (Antônio Fagundes): misterioso, o solitário idoso vive no asilo São Simão, de onde gosta de fugir à noite. Ele se une a Paulo e Eduardo para investigar a morte de Anita (Thainá Duarte) Foto: Mauricio Fidalgo / TV GloboAnita (Thainá Duarte): mulher do dentista Francisco (Renato Borghi), é assassinada logo no início da história, o que irá trazer à tona segredos das figuras mais importantes da cidadezinha fictícia de São Miguel, no interior do Rio de Janeiro Foto: Mauricio Fidalgo / TV GloboAdriano (Murilo Benício): filho de uma família de poderosos, é prefeito de São Miguel, marido de Isabel (Débora Falabella) e pai de Cecília (Marcela Fetter) e Vera Lúcia (Júlia Svacinna) Foto: Cesar_Alves / Globo/César AlvesIsabel (Débora Falabella): primeira-dama de São Miguel, casada com Adriano (Murilo Benício) e mãe de Cecília (Marcela Fetter) e Vera Lúcia (Júlia Svacinna). Muito religiosa, vive em conflito entre extravasar seus desejos ou continuar a desempenhar o papel de esposa perfeita Foto: Raquel Cunha / TV GloboAdalgisa (Mariana Ximenes): esposa de Geraldo (Gabriel Braga Nunes) e madrasta de Edson (Gabriel Falcão), que trata como filho. Mulher à frente de seu tempo, Adalgisa é exuberante e carismática. Entediada com o casamento, a ex-miss Distrito Federal tem sempre uma taça de dry martini na mão e costuma estar duas doses acima do resto das pessoas Foto: Mauricio Fidalgo / TV GloboGeraldo Bastos (Gabriel Braga Nunes): casado com a ex-miss Distrito Federal Adalgisa (Mariana Ximenes) e pai de Edson (Gabriel Falcão), é um grande empresário da região, dono da fábrica de tecidos União e Progresso. É aliado de Adriano (Murilo Benício) na política, mas se considera mais moderno, com ideias avançadas Foto: SERGIO ZALIS / TV GloboCecilia (Marcela Fetter): Filha mais velha de Adriano e Isabel. Namora Edson (Gabriel Falcão) por pressão do pai, mas na verdade é apaixonada por Renato (Enzo Romani), com quem se encontra às escondidas, pois sabe que a família nunca aceitaria que ela se relacionasse com um jovem negro e pobre. Sonha fazer faculdade e se tornar uma mulher independente Foto: Raquel Cunha / TV GloboVera Lúcia (Júlia Svacinna): filha caçula de Adriano e Isabel. Esperta, sabe como amolecer o coração do pai para conseguir o que quer. Se encanta por Eduardo (Xande Valois) Foto: Mauricio Fidalgo / TV GloboAntônio (Eike Duarte): meio-irmão de Paulo (João Gabriel D’Aleluia), é filho do primeiro casamento de Joel (Paulo Rocha). Ajuda o pai no açougue e é jogador de futebol do time do Country Club. É rival de Renato (Enzo Romani), com quem vive se estranhando dentro do campo. Antônio tem carinho por Paulo e tenta protegê-lo da agressividade do pai Foto: Mauricio Fidalgo / TV GloboFrancisco (Renato Borgui): marido de Anita, é o dentista de São Miguel. Foi colega de seminário de Dom Tadeu, mas não tinha vocação para o sacerdócio Foto: Mauricio Fidalgo / TV GloboDom Tadeu (Jonas Bloch): é o poderoso bispo de São Miguel. Controlador, está sempre à espreita, na janela da diocese, vigiando o movimento na cidade Foto: Mauricio Fidalgo / TV GloboLetícia (Lana Rhodes): sobrinha de Dom Tadeu (Jonas Bloch), chega a São Miguel para trabalhar como instrutora de tênis do Country Clube. Assim como Adalgisa, age e veste-se de forma avançada para a época Foto: Mauricio Fidalgo / TV GloboSecretário de Dom Tadeu (Jonas Bloch) Foto: Mauricio Fidalgo / TV Globo
A necessidade desses disfarces passa por todas as mulheres da trama, incluindo também a primeira-dama Isabel (Débora Falabella), mulher do prefeito Adriano (Murilo Benício). Para Linhares, o medo das mulheres era justificado, pois vivia-se numa época em que o feminicídio era praticamente legalizado.
— Naquela época, existia muito crime de honra. Se o marido descobrisse que ela era adúltera, podia matar e era absolvido.
Por isso, havia esse medo tão grande de desobedecer as regras impostas: elas realmente corriam risco de morte — lembra o autor, que embora reconheça que as questões levantadas pela série continuem atuais, diz que não quis espelhar a sociedade de hoje em “Se eu fechar os olhos agora”. Para ele, 1961, o ano em que a série se passa, mostra uma sociedade em transição para uma era de costumes menos rígidos.
— Não quis fazer uma ponte entre o passado e presente. Infelizmente, esses temas até hoje são atuais. São problemas que a gente continua vivenciando, mas não procurei trazer os conflitos modernos.