Brasília – Num processo ainda em construção, o Brasil avançou consideravelmente no combate à corrupção estrutural e aos chamados crimes do “colarinho branco”.
Com avaliações convergentes, o ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sérgio Moro, e o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso apontam, em entrevista ao Estado, um legado positivo neste tema. “O Judiciário nos últimos tempos deixou de considerar que corrupção e criminalidade de colarinho branco não eram crimes graves”, disse Barroso.
“Estamos mudando o padrão da impunidade da grande corrupção”, afirmou Moro, ex-juiz da Operação Lava Jato em Curitiba.
Moro e Barroso serão palestrantes de um debate sobre a Lava Jato e as Mãos Limpas, da Itália, amanhã, às 9h, na sede do Estado.
O evento em parceria com o Centro de Debate de Políticas Públicas terá também a participação do procurador Deltan Dallagnol e da economista e estudiosa da teoria da corrupção Maria Cristina Pinotti, que vai lançar o livro Corrupção: Lava Jato e Mãos Limpas (Portfólio-Penguim e CDPP, 2019).
Após as palestras, haverá um debate entre os participantes mediado pela jornalista Vera Magalhães, editora do site BR18 e colunista do Estado.
Segundo Moro, a diferença entre as duas operações é que, ao contrário do que ocorreu no caso italiano, que foi alvo de forte reação política após dois anos, a Lava Jato é um trabalho que “não foi desconstituído”. “O processo de cooptação que aconteceu na Itália dificilmente aconteceria aqui”, completou Barroso.
A Lava Jato terá o mesmo fim da Mãos Limpas?
A professora Maria Cristina Pinotti tem – e eu também – fé de que tenhamos finais diferentes, porque a operação Mãos Limpas, na Itália, perdeu e a corrupção venceu.
Lá, conseguiram mudar a legislação, cooptar a imprensa e demonizar o Judiciário. E o saldo foi que a Itália tem hoje o pior desempenho entre os países desenvolvidos do mundo.
A corrupção estrutural é uma das causas desse retardamento. Aqui, no Brasil, tenho confiança de que isso não acontecerá.
Por quê?
Primeiro, por termos hoje uma sociedade muito organizada, que deixou de aceitar o inaceitável. Em segundo lugar, acho que temos uma imprensa livre, bem independente, e hoje tem as redes sociais.
O processo de cooptação que aconteceu na Itália dificilmente aconteceria aqui. No Brasil, temos um Judiciário extremamente independente.
O problema do Judiciário é de eficiência, de celeridade, mas não de independência nem de qualificação técnica.
A Lava Jato já deixou sua marca independentemente do que está por vir?
Há claramente um legado. Na iniciativa privada, todas as grandes empresas hoje criaram ou valorizaram o departamento de compliance.
A coisa era tão ruim no Brasil em termos de cumprimento da lei de integridade que não tinha nem uma palavra em português para identificar e manteve-se o termo compliance. O Judiciário está mudando mais lentamente que a iniciativa privada, mas está mudando.
Em que sentido?
O Judiciário nos últimos tempos deixou de considerar que corrupção e criminalidade de colarinho branco não eram crimes graves. E houve mudanças, inclusive, no Supremo.
A possibilidade de execução criminal após o segundo grau, avaliação da Lei da Ficha Limpa, a declaração de inconstitucionalidade do modelo mafioso de financiamento eleitoral por empresas, uma nova lei de colaboração premiada, o agravamento da pena do crime de corrupção, uma lei anticorrupção.
O que incomodou muita gente?
Tem muita gente contra esse processo. Mas existe uma sociedade empurrando a história. Essa imensa demanda por integridade, idealismo e por patriotismo vem da sociedade. Essa é a energia que muda a história, que vem de baixo para cima.
A discussão do pacote anticrime deve aguardar a aprovação da reforma da Previdência?
Não acho que isso possa ser deixado para segundo plano. Mas a reforma da Previdência também é urgente porque, senão, o País vai quebrar.
E a reforma tributária, a redução do Estado, também. São tantas demandas urgentes que provavelmente teremos de fazer tudo ao mesmo tempo agora.
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