O hidrogênio tem sido tratado como a tábua de salvação pela indústria de petróleo e gás natural, já que o modelo de negócios depende da extração, transporte e queima de metano, um dos principais gases causadores do efeito estufa. Por conta disso, esse mercado deve ser um dos mais afetados pelas metas de descarbonização de grandes nações para 2050.
Tendo isso em mente, as grandes companhias do setor resolveram propor a inserção do hidrogênio em suas linhas de produção, como um substituto mais ecológico para o gás natural para ser usado no aquecimento de residências ou na geração de eletricidade. O “hidrogênio verde” é considerado por ser um combustível carbono neutro quando produzido usando energia solar ou eólica.
Porém, a conversão da infraestrutura de gás natural é bem cara, mas é o que pode dar uma razão para que concessionárias que operam somente com gás natural sigam existindo. Contudo, existe um problema adicional: o “hidrogênio verde” tem um custo que praticamente inviabiliza sua produção em larga escala, algo que não deve mudar em pelo menos uma década.
Um atalho
Para encurtar o processo de conversão e tentar baratear o processo, algumas empresas do setor de petróleo e gás resolveram propor a produção de hidrogênio a partir do gás natural. Hoje, a maior maior parcela do hidrogênio usado no planeta é produzido por meio da exposição do gás natural a altas temperaturas, pressão e vapor, mas esse processo cria um subproduto indesejado: dióxido de carbono.
Ao ser gerado com uso de gás natural, o hidrogênio ganha outros nomes de acordo com a forma como ele é produzido. Quando todo o dióxido de carbono é liberado na atmosfera, ele é chamado de “hidrogênio cinza”. Quando o dióxido de carbono é capturado pelas instalações da concessionária onde é produzido e armazenado ou vendido, o material resultante é chamado de “hidrogênio azul”.
A indústria de gás natural enxerga o hidrogênio azul como uma ponte entre o gás natural e o hidrogênio verde até que os preços deste finalmente caiam, já que, ele polui menos do que o hidrogênio cinza e menos ainda do que o gás natural ou outros combustíveis que emitem grandes quantidades de gases do efeito estufa. Mas como diz o ditado: “na prática, a teoria é outra”.
Não é tão neutro assim
Novos testes de emissões apontam que o hidrogênio azul pode, na verdade, não ter baixo teor de carbono. E um novo estudo aponta para resultados ainda mais surpreendentes: continuar queimando carvão tem um efeito menos pior para o clima do que gerar energia por meio do hidrogênio azul da forma como vem sendo feito atualmente.
O hidrogênio azul pode ser produzido de duas formas, ambas dependentes de um processo conhecido como reforma a vapor, que é o uso de calor, pressão e vapor, que quebram o metano e a água para produzir hidrogênio e dióxido de carbono. Nas duas abordagens, o dióxido de carbono é capturado e armazenado ou usado posteriormente.
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Quando somamos a captura de carbono do processo, desde a reforma a vapor, até a captura de carbono, passando pelo fornecimento de energia, a eliminação das emissões de gases de efeito estufa é de apenas 3% quando comparada com a captura de carbono da reforma a vapor. As emissões do hidrogênio azul foram apenas 12% mais baixas do que o hidrogênio cinza.
O ponto mais fraco do hidrogênio azul é o metano que é usado em sua produção, esta substância é o principal componente do gás natural e consegue ser pior do que o dióxido de carbono para o clima. Para se ter uma ideia, uma tonelada de metano é capaz de aquecer a atmosfera 86 vezes mais do que a mesma quantidade de dióxido de carbono.
Metano escapa
Por isso, apesar de a queima do gás natural ser mais limpa do que a do petróleo ou do carvão mineral, possíveis vazamentos ao longo da cadeia de abastecimento podem fazer com que as vantagens climáticas do metano se percam. E isso não é algo a ser desconsiderado, já que as petroquímicas não são conhecidas por prezar pela manutenção adequada de seus gasodutos.
De acordo com os cientistas do clima Robert Howarth e Mark Jacobson, pelo menos 3,5% de todo o metano gerado durante a produção do hidrogênio azul acaba escapando para a atmosfera. Os números, que foram levantados com base em 21 estudos sobre as emissões de campos de gás, dutos e instalações de armazenamento de gás.
Porém, essa estimativa é um pouco imprecisa, com outros modelos colocando essa taxa em 1,54%, 2,54% e 4,3% de vazamento. Porém, independente de qual seja a taxa exata, o fato é que o hidrogênio azul criou mais gases de efeito estufa do que a simples queima de gás natural, e se considerarmos que a taxa de vazamento é realmente 3,5%, o hidrogênio azul se torna pior do que a queima de carvão.
Duro golpe em alguns
Segundo Howarth e Jacobson, as emissões de metano e dióxido de carbono para produção do hidrogênio azul e também do hidrogênio cinza são maiores do que qualquer combustível fóssil. Isso pode ser um duro golpe para os planos climáticos de alguns países, como é o caso do Reino Unido, que pretende aumentar a presença do hidrogênio azul em sua matriz energética.
Além da geração de energia, o estudo também lança algumas dúvidas sobre os planos do setor de transportes que pretendem mudar para hidrogênio. O hidrogênio é visto como a principal opção para a navegação e o setor aéreo, mas também para os carros e caminhões. Para os veículos terrestres, as montadoras terão algum trabalho para justificar o uso de hidrogênio ao invés da eletrificação.
Uma das empresas que optou pelo hidrogênio em detrimento da eletrificação total do portfólio foi a Toyota, mas a descoberta de que o meio do caminho entre o combustível fóssil e o hidrogênio verde pode ser bastante prejudicial para os planos, a imagem e as vendas da montadora japonesa, principalmente no continente europeu.
Via: ARS Technica
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