Cápsula barata pode proteger médicos e oferecer alternativa a respirador mecânico

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Neste momento, o mundo inteiro corre atrás de respiradores para poder atender aos pacientes da Covid-19. Essa dinâmica criou uma situação em que não apenas é caro comprar o equipamento, como também é difícil adquiri-los mesmo com o dinheiro em mãos, como resultado da escassez do produto.

Isso está fazendo com que países pelo mundo inteiro decidam recorrer às suas próprias soluções. Isso pode passar por reorientar a indústria interna para suprir a demanda local, ou pensar em alternativas pouco ortodoxas. Foi o que uma rede hospitalar do Amazonas decidiu fazer, e diz estar tendo sucesso.

Ao longo do mês de abril, tem chamado a atenção do público uma parceria entre a Samel, empresa amazonense do setor de saúde, e o Instituto Transire, que deu origem à cápsula Vanessa, batizada assim como homenagem a uma paciente tratada pelo método e conseguiu se recuperar. A técnica tem como objetivo limitar a dependência dos respiradores de forma barata e acessível.

A cápsula Vanessa não poderia ser mais simples, e foi projetada para isso. Sua primeira versão era apenas uma armação de canos de PVC coberta com uma tenda de vinil, mas aos poucos ela se tornou mais refinada, ganhando ventoinhas com filtros antivirais e antibacterianos para permitir a circulação do ar com o exterior com mais segurança e para dispersar o gás carbônico do interior, mantendo um maior nível de oxigenação. O uso dessas ventoinhas também cria um ambiente de pressão negativa no interior da cápsula, permitindo que os aerossóis não escapem quando o zíper é aberto pelo médico ou enfermeiro para realizar qualquer procedimento no paciente. Segundo o Transire, mesmo a versão mais avançada não custa mais de R$ 400, enquanto um respirador custaria no mínimo R$ 6.000 em tempos normais. As orientações para produção estão disponíveis para qualquer empresa que quiser montar seu próprio equipamento neste link.

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Mas como funciona a Vanessa? Segundo a Samel, o protocolo para o tratamento de Covid-19 determina a intubação imediata do paciente diagnosticado, que já chega ao hospital com falta de ar. Como explica Clemilton Gomes, vice-presidente do Instituto Transire, a explicação para essa ação rápida é impedir que o paciente disperse aerossóis (minúsculas gotículas de saliva resultantes de tosses, espirros ou até mesmo da fala) que aumentem o risco de médicos e enfermeiros serem contaminados. Um efeito colateral dessa prática é o altíssimo uso de respiradores, causando sua escassez no mundo inteiro.

É aí que entra a cápsula. Conforme explica Gomes, utilizando o equipamento é possível dispensar o protocolo de intubação precoce do paciente, mantendo a segurança dos profissionais. Com a proteção do acrílico, é possível evitar a dispersão dos aerossóis e recorrer a uma opção de ventilação não-invasiva do paciente, com uma máscara mais convencional. Isso, claro, enquanto seu quadro não se agravar ao ponto de a intubação se tornar obrigatória.

A Samel, que tem adotado o protocolo, diz que tem obtido grande sucesso com a cápsula Vanessa, afirmando não ter registrado nenhum caso de profissional infectado ao tratar dos pacientes de Covid-19. Da mesma forma, a empresa também diz que seus hospitais também viram o tempo de internação ser reduzido de 21 dias para 4,9 dias como resultado do tratamento. A redução desse tempo é chave para desocupar os leitos o mais rápido possível, evitando o colapso do sistema de saúde.

Nem todo mundo concorda

Associações médicas estão acompanhando a utilização de cápsulas como a Vanessa para tentar ajudar os pacientes e ainda se veem céticas sobre sua eficácia, justamente pela falta de evidências técnicas e testes que comprovem sua segurança.

Uma nota técnica publicada em conjunto pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib), pela Associação Brasileira De Medicina De Emergência (Abramede), pela Associação Brasileira De Fisioterapia Cardiorrespiratória E Fisioterapia Em Terapia Intensiva (Assobrafir) e pela Sociedade Brasileira Para a Qualidade do Cuidado E Segurança Do Paciente (Sobrasp) apontam os potenciais riscos e redundâncias do projeto.

A nota faz três observações principais sobre a utilização desse tipo de equipamento antes que eles possam ser usados em UTIs:

  1. Não há estudos clínicos que comprovem a eficácia do dispositivo como forma de proteção para os profissionais de saúde. Como não há comprovação de eficácia baseada em estudos adequadamente desenhados, há ainda a necessidade de uso de todos os equipamentos de proteção individual necessários, mesmo neste cenário. Há ainda relatos de profissionais de saúde com dificuldade em manipular equipamentos e manusear o paciente durante o procedimento com estes dispositivos, o que poderia em tese aumentar a chance de contaminação em alguns casos;
  2. A caixa acrílica precisaria ser descontaminada por meio da autoclave, o que poderia danificar permanentemente o material do dispositivo. Como não há a possibilidade da descontaminação pelo processo mais seguro, há o risco de grande aglomeração de patógenos que podem contaminar pacientes e profissionais;
  3. A substituição do acrílico por material mais maleável, como plástico, poderia ser uma alternativa, pois seria descartado após o procedimento, mas, como não há evidências da segurança desta alternativa, o mais prudente e seguro é levar o dispositivo para testes e estudos clínicos para validação de sua eficácia e, somente após este processo, ser usado em ambientes hospitalares com a finalidade de proteção

A nota também aponta as seguintes dúvidas sobre a utilização do equipamento em conjunto com a ventilação não-invasiva, com aparelhos como Bipap e Cpap:

  1. Na atualidade (Abril/2020) não há estudos científicos que comprovem que a utilização de câmara, tendas e boxes para contenção de aerossóis durante a aplicação de oxigenioterapia suplementar e/ou uso de Ventilação Não-Invasiva traga EFETIVA PROTEÇÃO para os profissionais de saúde envolvidos.
  2. Na atualidade (Abril/2020) não há estudos científicos que comprovem que a utilização de câmara, tendas e boxes para contenção de aerossóis durante a aplicação de oxigenioterapia suplementar e/ou uso de Ventilação Não-Invasiva traga benefício clínico no atendimento do paciente com infecção suspeita ou confirmada por coronavírus.
  3. A Amib, Abramede, Assobrafir e a Sobrasp apoiam e elogiam a iniciativa de inovação que possa somar nessa atual crise causada pela pandemia. No entanto, há questões que precisam ser respondidas de forma científica sobre o uso dessas novas tecnologias, equipamentos e recursos, em sendo:
    • O uso de aparelhos de Ventilação não-invasiva de ramo único enseja o uso de máscaras que causam necessariamente vazamento de ar para o funcionamento adequado. O objetivo da tenda/câmara/box é tentar mitigar a aerossolização que acontecerá de forma inevitável e, em tese, proteger a equipe. No atual conhecimento científico, não é possível tal proteção acontecer de forma plena senão com o uso dos Equipamentos de Proteção Individual e sob paramentação adequada contra procedimentos aerossolizantes. Desta forma, se a equipe multiprofissional tiver que continuar a usar estes Equipamentos de Proteção Individual (EPI) padronizados, não há necessidade de uso dos novos equipamentos propostos.
    • Outros questionamentos como: acúmulo de gás carbônico; como será feito o descarte seguro do ar de dentro da câmara e qual a real melhora na efetividade do processo de ventilação não invasiva nesta condição restam ainda ser investigados e esclarecidos usando-se o padrão científico devido.
    • Criação de falsa sensação de segurança para os profissionais de saúde de tais unidades, de que, com o uso destes novos equipamentos propostos, estarão protegidos sem o uso dos devidos EPI, passando a não mais usá-los, ficando expostos ao vírus.



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