Bolsonaro amplia agonia do setor do etanol ao vetar imposto sobre gasolina

42
Anúncio Patrocinado


No futebol, uma frase redundante, eternizada na voz do empresário e cartola do esporte Vicente Matheus (1908-1997), virou lugar-comum: “O jogo só acaba quando termina”. A mesma fala, por incrível que pareça, pode ser atribuída à política brasileira e ao lobby do setor de etanol. Há uma semana, o setor sucroalcooleiro comemorava a decisão do governo de aumentar de 10 para 30 centavos o imposto sobre o litro da gasolina por meio da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, a Cide, além de elevar a alíquota do imposto de importação de zero para 15%. A medida era endossada pelo ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, e pela ministra da Agricultura, Tereza Cristina, que vinha encabeçando o projeto para amenizar as dores dos usineiros que sofrem com a derrocada nos preços do petróleo mundo afora e a queda de consumo de combustível ocasionada pelas medidas restritivas para conter a disseminação do novo coronavírus (Covid-19) no país. Eis que no fim da tarde da quinta-feira 7, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) foi curto e grosso quanto ao assunto: “Não vou aumentar imposto. E ponto final”, disse. “É justo, num momento em que está todo mundo perdendo emprego, tendo o salário reduzido, eu aumentar o preço do combustível?”, questionou.

A declaração de Bolsonaro caiu como um balde d’água fria nos planos do setor. Com a pandemia, vários estados emitiram decretos recomendando a paralisação de diversas atividades da economia para evitar a disseminação do coronavírus, que já contaminou mais de 137.000 brasileiros. Isso fez com que os deslocamentos fossem reduzidos e, com isso, houve queda drástica no consumo dos combustíveis. O álcool, por exemplo, registra queda de vendas de mais de 50% em relação ao período pré-pandemia. Além disso, o declínio vertiginoso da demanda fez com que Arábia Saudita e Rússia iniciassem uma guerra pelo preço do petróleo em meados de março, o que afetou diretamente o valor da gasolina no Brasil – e, concomitantemente, o patamar cobrado pelo biocombustível. Segundo a Agência Nacional do Petróleo (ANP), a paridade de preço do etanol em relação à gasolina hoje é de 69%, sendo que vale mais a pena encher o tanque com álcool em detrimento à gasolina em apenas quatro federações da União. Ou seja, o momento para as usinas mostra-se desesperador. “A situação só vai piorando a cada dia”, diz Evandro Gussi, presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica). Uma solução encontrada por diversos usineiros é migrar a produção para açúcar, mas até isso tem seus limites. “Você tem 30% das usinas que são só destilarias, elas só fazem etanol. Além disso, a flexibilidade para se trabalhar com as duas coisas tem seu limite”.

Segundo Bolsonaro, o setor sucroalcooleiro escolheu a saída errada para mitigar os danos econômicos da pandemia do coronavírus no setor. Para ele, em vez de pressionar o governo federal pelo aumento da Cide, o mercado deveria brigar pela redução do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) junto aos governadores dos estados que mais produzem a cana-de-açúcar no país. “Metade dessa área é de São Paulo. São mais de 100 cidades que vivem quase que exclusivamente da cana-de-açúcar. Eles têm dois caminhos: lutar junto aos governadores para diminuir o ICMS ou junto ao governo federal para aumentar o imposto da gasolina, a Cide”, disse o presidente. “Mas eu não acho justo salvar o pessoal do sucroalcooleiro. Isso não é um dilema para mim. É uma situação que eu coloquei na mesa e acho que não serei derrotado nesses argumentos”, ressaltou Bolsonaro, valendo-se de um compromisso de campanha – de não aumentar impostos – para justificar a sua posição, que está alinhada com a do ministro da Economia, Paulo Guedes. Vale lembrar que o presidente tem o apoio da maior parte dos caminhoneiros, classe que protagonizou uma greve geral nas rodovias brasileiras por menores preços de combustíveis em 2018, o que mingou os planos de recuperação econômica do país naquele ano.

Impacto dos impostos

O aumento da Cide gera um impasse em diversas cadeias. Em 4 de maio, a Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes (Fecombustíveis) e os sindicatos do setor de revenda enviaram um ofício ao presidente da República, Jair Bolsonaro, e aos ministros de Minas e Energia, Bento Albuquerque, e da Economia, Paulo Guedes, solicitando que o governo não ceda ao pedido do setor sucroenergético. De acordo com Paulo Miranda Soares, presidente da Fecombustíveis, uma solução conjunta para auxiliar esse mercado seria que o governo federal retirasse PIS/Cofins e os governos estaduais abrissem mão de parte do que recebem de ICMS, a maior parcela dos tributos sobre o etanol.

Anúncio PatrocinadoQuero aparecer no Google
Continua após a publicidade

Para José Fernando Mazuca Filho, diretor financeiro da Uisa, ex-Usinas Itamarati, a situação do setor é dramática. Ele estima uma queda de 12% no faturamento da empresa para este ano. Em 2019, a Uisa obteve receita de 928 milhões de reais. “Essa decisão do governo vai agravar a crise no setor. O Brasil tem 350 usinas em operação. A maior parte delas está operando e vendendo etanol abaixo do custo de produção e isso gera um anacronismo econômico. Não faz sentido nenhum produzir, mas ao mesmo tempo não tem como parar. Eu preciso colher a cana que está no campo”, afirma. “Já que não vamos ter nenhum tipo de auxílio do ponto de vista tributário ou fiscal, como o aumento da Cide ou a retirada do PIS/Cofins, o que cabe agora são os auxílios via bancos para as operações de tancagem”. Assim como outras usinas, Mazuca Filho admite que a Uisa tem voltado a produção para açúcar neste momento de incerteza e estocado o máximo de etanol possível.

Engana-se, porém, quem pensa que o pedido pela Cide, como forma de evitar falências em massa no setor sucroenergético, seja uma requisição apenas dos produtores de etanol. A medida recebeu, recentemente, o apoio da União Brasileira de Biodiesel e Bioquerosene (Ubrabio). O setor de biodiesel, que emprega cerca de 400.000 trabalhadores em 43 empresas, endossa a tributação como forma de se criar um colchão para que não haja ruptura na indústria dos biocombustíveis neste momento. O apoio também seria uma maneira de preservar um setor que terá mais longevidade por conta de seus impactos ambientais serem menos agressivos em contravenção aos combustíveis fósseis. “Quando o preço do petróleo cai, a adoção de fontes renováveis fica prejudicada. Preço de petróleo barato não é um estímulo econômico ao substituto”, diz Décio Oddone, ex-diretor geral da ANP. “O governo está dando mole. Ele deveria ter uma política pública para defender o etanol, senão ele vai morrer. O aumento da Cide também teria outros efeitos positivos. Além da questão ambiental, isso aumentaria a arrecadação da União, que precisa aumentar a receita para fazer frente aos gastos por conta do coronavírus”, diz Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (Cbie). A decisão sobre a Cide ainda não está sacramentada, mas dificilmente veremos uma nova virada nesta partida.



Fonte do Artigo
Tags:

#IBJE #FGV #LOTOFACIL #TINDER #GMAILGOOGLE #TIKTOK

Anúncio