Artigo: O Bolsonaro que há dentro de você

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A eleição na Índia, uma das mais numerosas democracias no planeta, com cerca de 900 milhões de eleitores, se mostra um desafio aos players tecnológicos –  Google, Facebook, WhatsApp e Twitter. Desde 2016, sob o confronto de Trump x Hillary, se encontra armada a bomba movida por ódio, desinformação e preconceitos latidos sem arrependimento. E os gigantes da tecnologia impulsionaram –  ou deram força –  o universo da extrema direita muito assemelhado, em temas, à Alemanha pré-1933: racismo, xenofobia, anticomunismo, antissemitismo, medo do futuro.


Em sete datas diferentes, as eleições na Índia começaram dia 11 de abril e vão até   19 de maio e, para o complexo tecnológico, servem de ensaio à eleição americana, no próximo ano. Se na assunção de Trump houve a suspeita de manipulação por parte dos russos de Putin, uma certeza ficou evidente: o ódio e a contrainformação se tornaram atributos dos discursos políticos.


Nada a estranhar.

Nos últimos dias, Google e Facebook, principalmente, tiveram de mostrar serviço no combate às fake news e aos comentários de ódio e racismo difundidos por políticos indianos –  a começar inclusive pelo atual premiê Narendra Modi.

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De novo nada a estranhar.


Na raiz do imbróglio se encontram os algoritmos –  tecnologia moldada para buscar retorno, audiência e alcance –  expressos em likes e compartilhamentos. Ao que indicam as pesquisas, raiva, indisposição ideológica e intolerância são os combustíveis primários encontrados nos comentários (os tais posts) de sucesso e repercussão.


Observações calcadas em clivagens da sociedade possuem retorno maior do que informações positivas ou opiniões equilibradas – você certamente não imagina um supremacista replicando fotos do buraco negro na galáxia de Virgem.

Está claro, a extrema direita se vale da desinformação e dos preconceitos (religiosos, de gênero, de ideologia etc) para alcançar audiência –  e sempre a partir de soluções extremistas, como o muro do Trump ou a liberação de armas de Bolsonaro. São sempre ideias de extermínio para criar e reproduzir junto à população o enredo da bem versus  mal, onde a linguagem é de guerra, jamais de busca de consenso. Quem não pensa igual a mim é inimigo. Sendo que eu represento o Bem e o adversário, o Mal.


Como pregava a esquerda revolucionária, em nome da Causa, tudo vale.É o que faz sucesso, dá audiência e retorno.


Tempos atrás uma matéria no “New York Times”  procurava entender junto a psicólogos, neurocientistas e sociólogos o motivo da propagação de fake news, mesmo quando são elas destituídas de qualquer base plausível –  o homem não foi à Lua ou a Terra é plana (como acreditam os bolsonaristas).

Para ficar num terreno menos árido, entre inúmeros exemplos, a reportagem citava a obsessão recorrente com o reatamento do casamento de Jennifer Aniston e Brad Pitt. Mesmo os desmentidos surgiam já reembalados em outras fake news: o casal estava em novas núpcias numa ilha do Índico; Pitt aguardava o desfecho do divórcio com sua ex, Angelina Jolie,  etc. Ao longo de anos, noticiou-se uma dezena de vezes a gravidez de Jennifer Aniston.

 Hoje, a atriz possui um assessor exclusivo para reiterar que não voltou e nem retomará seu casamento com Brad Pitt.  Na reportagem, diretores de revistas e sites sensacionalistas diziam textualmente que a verdade, para a maioria dos leitores, não importa. Na cabeça deles, Aniston deveria estar com Pitt –  e pronto. Mais do que uma noticia real, é um desejo –   e para isso muitos pagarão para que o regozijo com o reatamento se torne verídico, e alivie suas almas obsessivas.


Fake news sempre existiram, e sempre existirão. Proust, no último volume de “Em busca do tempo perdido”, relata como um diplomata disseminava falsas notícias sobre as vitórias francesas na Primeira Guerra Mundial. E o fazia em benefício próprio. Só que parte da sociedade francesa necessitava daquelas mentiras: o que era para durar menos de um mês de combate consumiu quatro anos de lutas e um morticínio, até então, recorde em vidas abatidas.


Por que aquelas noticias falsas prosperavam com tanto vigor? Por causa do ódio. Como se sabe, os franceses queriam exterminar os alemães. Apenas a morte bastava como consolo.


O ódio no discurso político não surgiu com as redes sociais – por exemplo, desde as primeiras Cruzadas, ele era construído a partir da intolerância religiosa. O que ocorre no momento é que o ódio disseminado no Facebook e assemelhados coloca em rede aquele sujeito racista e então visto como combatente solitário. Ao se juntar a outro desajustado, cria-se uma aliança desavergonhada. Por isso, vimos a explicitação do racismo e da homofobia na eleição de Trump e de Bolsonaro.


No caso atual da Índia, para ganhar a eleição, o atual governo atiçou junto à população o ódio contra o vizinho Paquistão. Eleitores que jamais votariam no premiê Narendra Modi, depois da montanha de fake news, mudaram de lado.

 

 


Miguel De Almeida é editor e diretor

 



Fonte do Artigo

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